tag:blogger.com,1999:blog-43952427580612795692024-02-08T11:32:50.504+00:00COMIDAS CASEIRAS - 2ª TemporadaConversas avulsas à volta do tema gastronómico... e da vida.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.comBlogger102125tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-80043839942127449272011-03-14T13:10:00.007+00:002011-03-14T14:02:14.801+00:00Não há pachorra!<div align="justify"><span style="font-size:130%;"><span style="color:#ffffff;">................</span> <strong><span style="font-size:180%;">Q</span></strong>uando o touro abana os cornos, diz-se que derrota. Depois, quando vai passando pelo capote com que o toureiro o engana, diz-nos o comentador televisivo que aquilo se chama chicuelina, manuelina, <em>derechazzo</em>, natural, etc. e a gente a ver o boi a passar pela capa e mais nada. Quando o bicho, chateado com o seu triste destino de bôbo da praça se encaminha desinteressado de <em>faenas</em>, para as tábuas, diz-nos o aficionado comentador que mostra crença natural e falta de trapio, num puxar de orelhas ao <em>ganadero</em>, que não é um lavrador qualquer e sim um dom doutor e de sangue azul . E por aí fora…<br /><br />Falei-vos destas detestadas coisas taurinas, não porque me interessem minimamente mas porque são um bom exemplo de como os jargões técnicos com que as elites não resistem a enfeitar os seus discursos, os tornam peças autistas de uma inutilidade absoluta, a não ser para masturbatória carícia do inchado ego do autor.</span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"><br />Vem isto a propósito de vinhos e da dificuldade que a esmagadora maioria de nós tem frente às imensas prateleiras e centenas de marcas de vinhos que se digladiam em <em>design</em>, preços e contra-rótulos absurdos, uns auto-elogiantes, outros conversa comercial de treta, outros ainda cheios de notas de prova, referências às técnicas e condições de fabrico absolutamente esotéricas e outras tantas parvoíces que apenas baralham quem os lê na esperança que pudessem ajudar na escolha.<br />Dantes havia poucas marcas e toda a gente sabia o que bebia. Os vinhos dividiam-se entre os vinhos normais, uns mais caros e cuidados, outros mais vulgares e acessíveis, e os vinhos que se destinavam à elites das provas, que nessa altura ainda não falavam à plebe, Peras Mancas e Barcas Velhas, bebidos pela malta anafada da finança e patos bravos e comentados nos restritos círculos iniciáticos que os próprios preços formavam e cujo acesso restringiam. </span></div><span style="font-size:130%;"><div align="justify"><br />Mas os tempos mudaram, os de cima perceberam que havia um imenso mercado cá em baixo para debicar e os de baixo entreviram uns degraus para tentarem provar as delícias proibidas, agora ali à democrática mão de semear, ou assim parecia, dado que o que mais havia era gente que nem nunca tinha tido uma videira num vaso e que metia qualquer coisa numa garrafa cheia de <em>design</em> e a punha à venda a 30€ a ver se pegava; e o certo é que às vezes pegava mesmo, à conta da novel geração espontânea de enocríticos da internet e revistas popularuchas.<br />A blogoesfera encheu-se de comentadores/críticos que nenhuma revista quis mas que agora podiam gritar aos quatro ventos e à borla o seu “super especializado” jargão enófilo, o tal que ainda se pode ver em muitos contra-rótulos, para deslumbrar a malta, uns estúpidos que nem sabem dizer que são taninos aquilo que nos deixa a língua áspera como se tivesse sido passada a lixa nº 80.<br />Sempre preocupados em mostrar que o seu educado gosto é bem diferente do gosto de quem apenas gosta de beber vinho pelo bem que ele lhe sabe e não por saber que estagiou 12 meses numa barrica de carvalho <em>Nevers</em> de grão médio e tosta forte, maceração pós-fermentativa em cuba inox a 26ºC e malolática na barrica, mais todos os tiques da linguagem cifrada, pomposa e oca, pretensamente especialista, as penosíssimas e enfadonhas descrições de prova em que cada um se esforça por recordar mais nomes de frutos do bosque e, quando já não há mais, lá vêm as compotas de cereja e de ameixa e aquele subtil sabor, glória de qualquer enólogo que se preze, a mirtilos azuis, mas entre a 3ª e 4ª semana de maturação, se expostos a Sul e o ano for bom… não há pachorra para tanta parvoíce!<br /></div><div align="justify">A montanha pariu afinal um rato. </div><div align="justify">Quem (como eu) esperou que fosse finalmente surgir alguém capaz de traduzir os intrincados códigos dos engenheiros do vinho, viu surgir afinal, com uma ou outra honrosa exceção<strong>*</strong>, uma horda de peralvilhos inchados de sabedoria e importância que, a despeito de andarem a falar para o boneco, na sua ânsia de afirmação pessoal, só conseguiram complicar ainda mais o que já muito complicado era.<br />Desçam à terra! Percebam que não é desonra nenhuma admitir que um vinho alentejano que vende muito e nem arrepia a língua, pode ser um bom vinho, sem levar logo o epíteto de “fácil”, “redondinho” ou "popular".<br />Percebam que lá por um viticultor produzir em Portugal com <em>Sirah, Chardonnay</em> ou <em>Pinôt Noir</em>, não se torna um Miguel de Vasconcelos vínico, a atraiçoar as castas nacionais, tratadas com um fervor patético que raia o nacionalismo.<br />Quando chegamos à temível prateleira, queríamos era recordar que alguém que o tinha provado, nos tinha dito: - Pá, tens aí uma boa pinga, que eu achei que ficava a matar com uns chocos grelhados, se estiver bem fresquinho.” E não “estamos perante um caso paradigmático de malolática incompleta, a fazer supor, no entanto, que podemos esperar deste produto do Eng. Fulano….”. Perceberam?<br /><br /><strong>*</strong> Honrosa exceção é, por exemplo, a do Arq. Cupido no seu blog </span><a href="http://garficopo.blogspot.com/"><span style="font-size:130%;">Garficopo</span></a><span style="font-size:130%;">, </span><span style="font-size:130%;">onde se fala de toda a classe de vinhos, um conhecedor experiente que não se importa de dizer, cito: <em>"Já o Syrah é efectivamente muito fácil de gostar e redondinho e diria ainda que é algo guloso. Claro que isso não é defeito nenhum, já que nem todos os vinhos devem ser para um gajo passar uma hora com o nariz enfiado no copo antes de provar". </em></span></div>Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-13128714853118413432010-10-06T20:45:00.000+01:002010-10-06T20:49:28.332+01:00Comprar Boas Iscas ou Pequeno Tratado Sobre a Arte Maquiavélica de Vencer Pela Manipulação do Orgulho Alheio (case study).<span style="color:#ffffff;">.............</span> <strong><span style="font-size:180%;">I</span></strong>sca é isca, bife é bife.<br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>Sendo que uma isca é uma fatia de fígado e um bife de fígado uma fatia de fígado, a diferença vai seguramente estar na dimensão e se perguntarmos qual das três entre as mais comuns que montam o mundo como o conhecemos, iremos verificar que será da espessura que estamos a falar.<br />E que momentosa diferença!<br />Tão abissal que um bife pode ir do altíssimo naco por vezes chamado posta, até ao finíssimo escalope, mas uma isca, da de porco do nosso contentamento, se passar a rígida bitola do quase-nada, se se apresentar grossa ou engrossada nalguma parte, passa de imediato de isca a coisa sem nome.<br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>Estou para aqui a falar-vos destes aparentes despropósitos, que ainda por cima todos conhecem, não por um sadismo qualquer mas porque cortar fígado não é fácil e aos modernos talhantes falta a maior parte das vezes a paciência e o brio para executar tão fina obra numa carne que depois lhes vai valer uns cêntimos.<br />É que a consistência é mole e escorregadia, a faca deve ser afiadíssima e trabalhar ali a milímetros da mão que acompanha e alisa o trabalho, numa dança de faquir que poucos talhantes estão dispostos a dançar.<br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>A minha mãe foi uma grande cozinheira, aquilo a que os italianos chamam uma <em>mamma</em>, mas também uma verdadeira naïfe a comprar iscas; a sua fé inquebrantável na bondade do Sr. Saturnino Belo Projecto que respondia ao eterno pedido de – “iscas bem fininhas, Sr. Saturnino, olhe que o meu marido não as come se estiverem grossas!” – e o tratante a virar-se e a exibir um bife na mão e dizer – “olhe esta maravilha, D. Alice, o seu marido não vai ter de se queixar” – e a minha mãe a concordar, levada numa hipnose qualquer a ver finura onde só havia grossura.<br />Depois, lá em casa, desfeito o feitiço, era vê-la a tentar abrir os nacos com as suas facas e aquilo tudo a desfazer-se. É que em minha casa as facas eram tão rombas que era mais ou menos indiferente verificar qual o lado da lâmina que estávamos a utilizar e quando anos mais tarde eu comecei a afiá-las era ver dedos cortados e pensos rápidos por todo o lado.<br />Como resultado desta idiossincrasia materna, eu só muito tarde acedi em pleno às amenidades de uma verdadeira isca e do trauma infantil resultou o apuramento de uma técnica poderosa para forçar todos os “Saturninos” deste mundo a vergarem a sua preguiça e indiferença à minha vontade de saborear esta maravilha.<br />É o trabalho de uma vida de pesquisa e experimentação que aqui hoje vai ficar.<br />Podemos ordenar um conjunto de regras que, se levadas à risca, lhe vão assegurar um serviço exemplar, uma espécie de <strong>Mandamentos da Compra de Iscas:<br /></strong>- <strong>Escolha um talho desconhecido</strong>. Na verdade não há como velhas confianças e conhecimentos para relaxar o brio profissional; não se esqueça que “santos da casa…”.<br />- <strong>Escolha um talho grande</strong>. Nada de lojinhas intimistas de bairro onde pontifica o dono e mais ninguém. Para o que se vai seguir tem de haver “público” do lado de dentro do balcão, no mínimo dois funcionários a atender, melhor se forem 3 ou 4.<br />- <strong>Escolha um talho cheio de fregueses</strong>. Isso dar-lhe-á tempo para estudar o terreno, perceber qual dos funcionários vai ser a sua vítima, eventualmente chegar até a saber o seu nome através das conversas que vai ouvindo.<br />- <strong>Não hesite quando chegar a sua vez</strong>. Vai actuar e no fim, os aplausos serão umas magníficas iscas.<br /><br />Escolhido o funcionário/vítima, o que fará de acordo com o que observar dos seus sinais de vaidade pessoal e perícia nos cortes, por esta ordem, resta-lhe esperar a sua vez.<br />Se a sorte lhe designar precisamente o que tinha escolhido, não dê sinal de si e deixe que lhe passem à frente; o importante é que, quando avançar para ser atendida(o) por outro possa dizer alto e bom som – Ah! Desculpe mas se não se importa eu queria ser atendida(o) pelo seu colega F.., eu espero que ele esteja livre! – esta subversão gera um conjunto indisfarçável de emoções que vão do despeito, à inveja e, é claro, a uma crescente vaidade no escolhido que mal pode despachar o cliente para o(a) atender a si.<br />Depois é a sua vez, trate-o pelo nome como se já o conhecesse, diga-lhe com o maior dos descaros – "desde aquela vez em que o sr. F… me cortou as melhores e mais finas iscas da minha vida, só mesmo consigo! Não desfazendo nos seus colegas mas, para iscas finas nunca vi mãos como as suas!"<br />Já está! Agora pode dizer-lhe as baboseiras que quiser que ele já só pensa na finura das iscas que vai cortar; ninguém fica tão acéfalo e bovino como um elogiado, ele vai esfacelar os dedos e transformar a faca numa navalha de barba até o ego lhe rebentar e ele lhe passar para as mãos a matéria prima essencial para esse prato emblemático que é Iscas com Elas.<br />Não se esqueça de apontar o nome do seu novo escravo-às-ordens, agora a pavonear-se entre os seus pares. Provavelmente irá utilizá-lo de novo.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-34468967293130166122010-05-24T10:56:00.013+01:002010-05-24T14:49:20.703+01:00O Tio Mendes e o Azeite da Cantina<div align="justify"><span style="color:#ffffff;">...................</span> <strong><span style="font-size:180%;">E</span></strong>u tive um tio marinheiro.<br />De seu nome António Ângelo, ficou no entanto na memória familiar como o Tio Mendes. Digo memória mas, na verdade, nunca o conheci em pessoa visto ele ter morrido uns cinco ou seis anos antes de eu nascer. Essa falta foi, no entanto, amplamente suprida pelas inúmeras histórias da sua viúva e companheira de uma vida, a Tia Lucinda, a das farinheiras que vos contei <a href="http://comidascaseiras.blogspot.com/2008/07/as-farinheiras-da-tia-lucinda.html">aqui</a>.<br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br />Gostava de ter conhecido o Tio Mendes, marinheiro.<br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>Das histórias da tia Lucinda nasceu um tio, talvez mítico, mas seguramente uma figura ímpar e de contornos tão definidos como se toda a vida o tivesse conhecido.<br />O Tio Mendes havia fugido de casa aos 16 anos, do Porto, e veio alistar-se como voluntário na Marinha, tinha acabado de eclodir a Primeira Guerra Mundial.<br />Dotado de uma perícia manual e uma capacidade de concentração notáveis, tornou-se um radiotelegrafista de primeira categoria, tendo chegado a ser o único comandante militar da Ilha Graciosa apenas com o posto de sargento, isto em 1930-32.<br />Homem de convicções fortes e inabaláveis, tinha um tal sentido do dever e da rectidão militares que, sendo ele próprio um republicano laico que abominava Salazar, então nos seus primórdios de ditador, esteve prestes a ser fuzilado pelos revoltosos conhecidos pela <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_da_Madeira">Revolta da Madeira </a>de 1931, que fez abortar na Graciosa ao sabotar as comunicações da revolta, num acto que nunca foi reconhecido e que quase lhe custou a vida. Isto apesar desse ódio particular que alimentava por clérigos e por Salazar, por esta ordem, e que só seria igualado em intensidade pelo amor que dedicava ao dever e ao bacalhau.<br />Contava a tia Lucinda que, após uma refeição mal sucedida, este lhe havia dito que não percebia porque não lhe dava bacalhau e pronto, era tudo o que ele precisava. Decidiu pô-lo à prova e deu-lhe bacalhau durante mais de dois anos, ao almoço e ao jantar, ele sempre impávido e contente.<br />Depois, quando vencida lhe aligeirou o regime, apenas o ouviu queixar-se "então acabou-se o bacalhau?".<br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br />Deste tio militar e marinheiro ficou que a minha casa era abastecida de mercearias através de uma Cantina da Manutenção Militar e Brigada Naval, não posso precisar se o nome era mesmo assim, mas seria parecido.<br />Todos os meses, num determinado dia "dava-se a requisição", que era um telefonema para a dita cantina com o rol de compras desse mês, numa cantilena de que eu já sabia as inflexões e pormenores enquanto a minha mãe ia debitando "cinco quilos de arroz carolino, do glaceado, trinta quilos de batatas, dois quilos de macarronete riscado mas não quero da Manutenção, que traz gorgulho, dez litros de azeite de primeira, cinco quilos de açúcar branco" e por aí fora até acabar a lista que se estendia por duas ou três folhas de papel.<br />Depois, a um dia certo, lá chegava o camião enorme da distribuição, parecia um camião desses das mudanças que antigamente era sempre "Galamas" mas este dizia outra coisa e tinha uma matrícula militar que começava sempre por MM, manutenção militar, tinha-me ensinado o meu pai.<br />No camião vinha o Senhor Graça e mais outro. O Senhor Graça era sempre o mesmo mas o outro ia variando e não tinha direito a nome que se conhecesse, era o "outro". O Senhor Graça tocava à campaínha e depois gritava lá de baixo "cantina!" que era para abrirmos as duas metades da porta e facilitarmos assim a entrada dos géneros que iam chegando e sendo arrumados, as batatas na tulha, o azeite transfegado da lata enorme em que vinha para a vasilha de minha casa, etc., enquanto a minha mãe ia vigiando a lista e pondo uns vêzinhos à frente à medida que a casa enchia.<br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br />O Senhor Graça, que vi sempre vestido de fato-macaco azul, era como se fosse um velho amigo da família, primeiro era magro e com cabelo, depois foi encorpando à medida que o cabelo desaparecia e parecia um santo antónio quando o vi pela última vez, a "cantina" acabou pouco depois do 25 de Abril.<br />O Senhor Graça era como que um tio que lá ia uma vez por mês; ficava um bocadinho a conversar e nós íamos sabendo das filhas e dos seus estudos, da mulher e das suas doenças, enfim, da sua vida, alegrias e tristezas, como as de todas as vidas, ele ia mostrando as fotos que trazia na carteira e nós íamos assim conhecendo as duas crianças na primeira comunhão que depois já eram jovens e, no fim, uma já tinha entrado para a Universidade e ele com os olhos brilhantes de emoção, a contar, já com o "outro" a impacientar-se lá em baixo, ao volante do camião.<br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br />Foi o Senhor Graça que contou do azeite. </div><div align="justify"><br />Um dia a minha mãe disse-lhe, em tom de reclamação que o azeite andava esquisito, nem parecia o mesmo de sempre e foi então que o Senhor Graça passou a voz para o modo baixinho com que se diziam as coisas que as paredes não podiam ouvir e disse que o azeite puro tinha sido proibido em Portugal, agora era, por Lei, loteado com uma percentagem, já não me lembro qual, de óleo de amendoim, dizia o governo que era para não fazer mal à saúde, mas o Senhor Graça, ainda mais baixinho, dizia à minha mãe que havia um ministro ou outra eminência parda "da situação" que tinha um império de amendoins nos campos das colónias, que era preciso esgotar.<br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br />Deve ter sido a minha primeira experiência vivida da "acção dos mercados" na nossa vida e também no nosso prato.<br />Pouco tempo depois já toda a família achava o azeite que a Gina trazia de Santiago do Cacém, puro e de contrabando, para fazer as suas açordas e sopas de alho alentejanas, um azeite "forte" demais e o óleo entrou assim disfarçado em Portugal.<br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br />Espantoso a sério é que esse episódio tenha sido apagado da memória colectiva. Passou-se com todos nós os que éramos nascidos no início dos anos 60, mas hoje ninguém se lembra, como se tivesse sido passada uma esponja de esquecimento sobre os 5 ou 6 anos em que o azeite virgem de Portugal tinha óleo de amendoim.<br /><span style="color:#ffffff;">.</span></div>Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-21758539004624522362010-02-18T10:09:00.004+00:002010-02-18T10:28:51.336+00:00O Rancho<div align="justify"><span style="color:#ffffff;">..........................</span> <span style="font-size:180%;"><strong>O</strong></span> meu prédio era na verdade composto por dois, que faziam uma planta em L com uma escada de serviço e quintal em comum: era o 9 da Damião de Góis e o 43 da Av. Vasco da Gama.<br />Foi esse o quintal das brincadeiras e aventuras da infância, eu e todos os miúdos dos dois prédios pegados, fazíamos um rancho!<br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>Como a Vasco da Gama é uma artéria em declive, o 43 acabou por ganhar mais um andar abaixo do rés-do-chão, que não era bem uma cave e cujas traseiras davam para o quintal comum.<br />Era desse lado do prédio que se encontrava o comércio: a padaria do Sr. Alfredo, que também era exímio pescador nas docas de Pedrouços, a mercearia do Sr. Amadeu que deu depois lugar a uma agencia funerária que ainda lá está mas deixou de ser Funerária do Restelo e passou a ser “lusa” de nome mas é uma multinacional fúnebre e a Taberna do Senhor Pereira, que não se chamava Taberna do Senhor Pereira e sim A Primorosa Nogueirense, Adega e Casa de Pasto, Vinhos e Petiscos, talvez em homenagem a alguma Nogueira nortenha a avaliar pela pronúncia cerrada do proprietário que, lá para a noite, lhe tornava as falas indecifráveis, mercê também de algumas provas profissionais a que tinha de se sujeitar durante a árdua jornada.<br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br />O Senhor Pereira da Taberna era pai do Jorge, marido da gordíssima Mãe do Jorge, cozinheira emérita da Primorosa e cunhado da também gordíssima Tia do Jorge que partilhava com a irmã os comandos da cozinha e dos comeres, do pasto.<br />O Jorge era bastante abrutado e de mão “leve” quando a amizade eterna dava para o torto e gozava ainda de uma espécie de estatuto de impunidade porque as mães dos outros miúdos não nos deixavam bater no Jorge porque ele tinha uma coisa qualquer no coração, um sopro, diziam, apesar de a gente nunca ter visto nele nada que se assemelhasse a uma fraqueza ou doença, bem pelo contrário.<br />Doente ou não, o Jorge era o nosso salvo-conduto para esse reino misterioso de sacas da batatas, résteas de cebolas, alhos, chouriços e farinheiras que pingavam lentíssimas gotas de gordura, panelas enormes fumegantes e frigideiras que deitavam labaredas amarelas até ao tecto com um ruído surdo e ameaçador, quando a mãe ou tia do Jorge lhes deitavam vinho numa alquimia luminosa que lhes fazia sobressair as beiças que se torciam em esgares, enxotando dali para fora o Jorge, que ainda ganhava um sopapo e nós todos, que não apanhávamos mas nem por isso éramos poupados à ira das duas megeras.<br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>A Primorosa Nogueirense era um manancial inesgotável de aventuras, desde o balcão onde reinava o Senhor Pereira, cheio de pratinhos de maravilhas que nós tínhamos visto fazer, os escabeches, os torresmos já montados em broa de milho, com um palito, pires de <em>pickles</em>, bacalhau cru e outras enormidades que os nossos pais bem comportados nem sonhavam ali existirem, como cabeças de carneiro assadas e “pipis” que o Senhor Pereira afiançava serem muito melhores que os da Praça da Figueira, que só tinham patas de galinha, nem umas moelazinhas, nem jidungo lhes punham… os bêbados lá iam comendo os pratinhos salgados e picantes, jogando à moeda e consumindo o que interessava, o vinho das pipas que forravam a parede atrás do Senhor Pereira, vinha de Aveiras de Cima e caía dos camiões para cima de pneus, com grande estrondo, antes de rodarem para o armazém da taberna, que também dava para o nosso quintal.<br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>Vinha gente de longe para comer o Rancho da Primorosa.<br />E não se pense que era uma gente qualquer: ao contrário dos comensais humildes do costume, no “dia de rancho” os pequenos compartimentos, alguns com uma só mesa, que constituíam a sala da Primorosa, eram ocupados por uma malta fina e engravatada, chegavam em carros bons que estacionavam no passeio e comia-se nesse dia com toalhas sobre a mesa ao invés do oleado do costume. Nesse dia, já não sei se Quarta ou Quinta, mas era para o meio da semana, nós ficávamos à porta até que a função acabasse, lá para a tarde.<br />O Rancho, esse começava a ser feito de véspera, com a salga das carnes e o demolho do grão que, muitas vezes, era ainda escolhido bago a bago, para lhe tirarem os “carneiros”, uns bichos que nessa altura eram muito frequentes no grão e no feijão. Nós íamos seguindo as operações através das janelas sebentas e que estavam normalmente abertas para os nossos domínios.<br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>Claro que, estes anos todos depois, quase 50, não posso afiançar que fosse exactamente esta a receita do famoso rancho da Primorosa Nogueirense, principalmente no que se refere a quantidades; no que se refere a ingredientes, era mais ou menos assim:<br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br /><strong>Ingredientes:</strong><br /><span style="color:#ffffff;">.<br /></span>3 cebolas picadas<br />1 chouriço de carne<br />1 morcela<br />800 grs de entrecosto<br />150gr de toucinho entremeado<br />3 dentes de alho picado<br />500 grs de grão de bico<br />1 chávena de polpa de tomate<br />vinho branco<br />2 folha de louro<br />1 couve lombarda<br />250 grs de massa cotovelos<br />1 raminho de salsa<br />azeite<br />sal, pimenta e piripiri<br />caldo de carne<br /><span style="color:#ffffff;">,<br /></span><strong>Preparação:</strong><br /><span style="color:#ffffff;">.</span><br />Ponha o grão de molho de véspera e salgue o entrecosto cortado aos bocados e o toucinho inteiro com sal grosso.<br />No dia seguinte ponha o grão a cozer.<br />Refogue até alourar a cebola os alhos picados o azeite a folha de louro e o toucinho inteiro.<br />Junte depois os pedaços de entrecosto passados por água para tirar o excesso de sal.<br />Junte depois a polpa de tomate misturado com o vinho e o chouriço de carne.<br />Coza a morcela à parte durante 10 minutos<br />Tape o tacho e deixe suar um pouco, adicione cerca de 2 dl de caldo de carne, para a carne ir estufando em lume moderado.<br />Se for necessário acrescente mais um pouco de caldo de carne.<br />Logo que a carne esteja quase cozida, junte a couve lombarda cortada aos bocados e a água de cozer o grão, retire o chouriço e o toucinho que devem estar cozidos e deixe ferver 10 minutos.<br />Junte a massa mexa e junte mais um pouco da água de cozer o grão ou caldo até cobrir, e deixe voltar a ferver, depois o grão mexa com cuidado e deixe apurar 10 minutos.<br />Verifique se está tudo cozido, rectifique os temperos e sirva decorado com rodelas de chouriço e morcela e fatias de toucinho. </div><div align="justify">.</div><div align="justify"><strong>Nota:</strong> <em>A Primorosa Nogueirense deu lugar a vários outros estabelecimentos de restauração, sem história, e hoje é um restaurante chinês, as janelas para trás substituídas por uma aberturas cheias de tecnologia e de onde nada se vê para o interior, ASAE dixit!<br /><span style="color:#ffffff;">.</span></em></div>Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-53039279323181264592010-01-05T23:13:00.004+00:002010-01-06T09:13:47.056+00:00Facadas e Rabanadas<div align="justify"><br /><span style="color:#ffffff;">.............................</span><strong><span style="font-size:180%;">H</span></strong>á poucas coisas mais chatas que o desconsolo de vermos as nossas legítimas expectativas, fundadas em anos de experiência vivida, serem desfeiteadas por um qualquer ilustre chico-esperto, a presentear-nos à força com uma qualquer inovação que ele acha mais <em>in</em> ou alguém lhe disse que agora era assim lá fora, ou que “era bem”.<br /><br />É assim! Sempre disposto a minar as certezas do nosso descansado imaginário, o chico-esperto nunca descansa no seu afã de parecer novo, fresco (<em>cool</em>), criativo, enfim, insuportável.<br /><br />Até há pouco, só as torradas, algumas sanduíches e os pães-de-deus eram servidos seccionados; as torradas com dois cortes paralelos e alinhados pela face mais comprida da fatia de pão-de-forma, as sanduíches com o tradicional corte enviezado e as mistas cortadas em diagonal.<br />Sabia-se com o que se contava!<br /><br />Até que alguém inventou a moda da facada.<br />Agora, tudo, mas mesmo tudo, é esfaqueado! Toda a atenção é pouca porque a coisa é automática: mal se pede o bolito, que até pode ser um queque e já lá está a terrível naifa a desfigurar o desgraçado e a tirar-nos toda a possibilidade de comê-lo com prazer, pelo nosso método, que todos temos um método para comer um queque, não é?</div><div align="justify">Há quem coma primeiro a base seca, depois os 13 bicos estaladiços em tentativas inúteis de divisão simétrica, que 13 é número primo e não se deixa dividir, por fim o cogulo subido do centro, doce e húmido, todo esse gosto deitado a perder pela omnipresente faca.<br /><br />Eu pensava que tinha visto tudo, depois da horrorosa experiência que foi ver uma bola-de-berlim-com-creme esborrachada por uma faca que a deixa a babar o creme pasteleiro para o pires e seu guardanapo de papel, mas “guardado estava o pedaço”, num sitio qualquer desses todos iguais dos centros comercias, no caso o Dolce Vita Saldanha, a mostrar que há sempre a possibilidade de piorar, mesmo aquilo que já é superlativamente mau: no meu prato apareceu um bolo-de-arroz despido do seu papel lateral, que jazia ali ao lado talvez a avalizar a autenticidade do bolo, esse cortado ao meio verticalmente, as plaquinhas de açúcar do topo todas desfeitas…<br /><br />Agora invento técnicas para ser eu a desfeitear o chico-esperto do lado de dentro do balcão, digo-lhe logo – Olhe, queria uma bolinha mas inteira porque estou cheio de pressa e tenho de ir comê-la para a rua – isto para escapar ao olhar recriminatório do outro, a dizer – mas que saloio é este que quer a bola inteira?- e lá saio para a rua de boca cheia para o chico-esperto ver que era verdade e para enfrentar então a reprovação geral da multidão que me vê com a boca atafulhada de pecado e que, depois de um breve exame ao conjunto, faz aquele ar dietético-comiserativo de quem sabe muito bem onde acabam por assentar as bolas-de-berlim-com.-creme comidas pela rua fora<br /><br />Eu tenho estado para aqui a falar de bolos mas a praga é geral: corri Lisboa para encontrar um pão-de-forma não fatiado, que desse para fazer umas rabanadas de jeito, para o Natal, não aquelas farripas magricelas feitas pela bitola das fatias de 8 mm do panrico e quejandos e que, agora, alguém acha que todo o honrado pão-de-forma deve ter.</div><div align="justify"><br /><strong>Ingredientes:<br /></strong><br />1 Pão de Forma<br />1 litro de leite gordo<br />6-8 ovos<br />Açúcar e canela<br /><br /><strong>Preparação:<br /></strong><br />Para poder disfrutar do sabor único de uma rabanada à antiga, deve esquecer os métodos rápidos e fáceis do mono-banho que se abateram há alguns anos, qual shampoo 2 em 1, sobre este doce tradicional.<br />Aqueça bem o leite mas sem deixar ferver e adoce-o com 3 colheres de sopa de açúcar.<br />Ponha-o num prato fundo, corte o pão (que deve ser duro) em fatias grossas, bata os ovos noutro prato e ponha ao lume uma frigideira com 1cm de óleo ou azeite refinado.<br />Embeba bem o pão no leite quente, depois no ovo e frite-o dos dois lados, virando só quando o lado de baixo estiver dourado.<br />Disponha numa travessa e polvilhe generosamente de açúcar e depois, de canela.</div><div align="justify"></div>Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-69071521261226773252009-10-26T10:22:00.005+00:002009-10-28T16:53:25.292+00:00CUBA LIBRE !<span style="font-size:180%;"><strong><span style="font-size:78%;color:#ffffff;">.....</span>N</strong></span>o início dos anos 70 foi uma bebida da moda.<br /><div align="justify"><br />Criada no fim do Sec.XIX durante a guerra Hispano-Americana (1895-1898) por um grupo de soldados num bar de Havana, este <em>cocktail</em> havia de se popularizar em todo o mundo, mercê talvez do seu sabor original, mercê provavelmente do seu nome que, após a revolução de Castro, havia de tornar este <em>cocktail</em> numa coisa quase subversiva em muitos lugares do mundo, Portugal inclusive, pois claro.<br /><br />No início dos anos 70, eu, como a maioria dos estudantes, filhos adolescentes da classe média com uma guerra agendada no horizonte próximo, era um candidato a vanguarda da classe operária que, apesar de não conhecermos muito bem, sabíamos que existia lá para as bandas do Barreiro e, mais que não fosse, lá íamos fazendo a nossa revolução etílica através de umas bebedeiras vanguardistas-proletárias de <em>Cubas Libres</em>!<br /><br />Pegada às piscinas da Praia das Maçãs, existia e penso que ainda exista uma discoteca-bar, na altura chamava-se “<em>boîte</em>”, de seu nome “Concha”, onde a juventude das noites da costa sintrense ia muitas vezes desaguar até de manhã.<br />Ali juntava-se gente de muitas origens, desde uns “índios” motoqueiros dos subúrbios lisboetas, a nossa malta que era a gente das praias, Magoito, Azenhas, Maçãs, Praia Grande, Mucifal, Fontanelas e, de vez em quando uma outra tropa mais graúda, gente das touradas e de forcados, uma elite abrutada e confiante na impunidade dos seus desacatos, que não eram poucos.</div><div align="justify"><br />Naquele tempo a animação era feita ao sabor da noite, que ainda não havia os animadores profissionais de hoje e, naquele dia fez-se a eleição democrática da bebida preferida da Concha. Toda a gente escreveu o seu voto nuns papelitos que o barman arranjou, recolheu-se a votação e coube-me a mim, sei lá porquê, fazer o escrutínio.</div><div align="justify"><br />Seriam talvez uns 50 ou 60 votos que eu fui contando e as posições cimeiras estiveram renhidas até ao fim, ora vencia o Gin Tónico, ora estava à frente a <em>Cuba Libre</em>. Por fim o Gin ganhou por um ou dois votos mas eu não resisti à ideia de gritar bem alto um subversivo “<em><strong>Viva Cuba Libre</strong></em>” e, com a legitimidade revolucionária e superioridade moral que a minha militância vanguardista me conferia, decidi torcer a votação e proclamei bem alto a vitória do <em>cocktail</em> cubano. </div><div align="justify"><br />Aquilo deu origem a grande festa e a uma rodada de <em>Cubas Libres</em> por conta da casa e eu lá fiquei com o meu segredo bem guardado, nunca mais vi os papelinhos dos votos, até que, à saída, quando me encaminhava para a minha motoreta em que ia regressar a Magoito, lá estavam à minha espera três dos tais dos touros, chamavam-lhes os Zoios, nunca soube se eram mesmo da família do toureiro da Praia das Maçãs ou era alcunha, mas o certo é que tinham os meus “votos” nas mãos, parece que os tinham conferido e eu só saí dali depois de uns valentes sopapos, enfim, foram mais na alma que na carne, umas nódoas negras e um olho de goraz que tive de explicar depois, lá em casa, com uma mentira qualquer em que os meus pais fingiram mais uma vez acreditar.<br /><br />Dois ou três anos depois, quando por cá já se podia gritar <em>Viva</em> <em>Cuba Libre</em> à vontade, eu já sabia que Cuba, afinal, não era assim tão livre como eu julgava, lá na Ilha até tratavam o <em>cocktail</em>, entre eles e em voz baixa, por <em>la</em> <em>mentirita</em> e, de qualquer maneira, eu nunca gostei realmente de bebidas que levassem Cola.<br /><br /><strong>Ingredientes:<br /></strong><br />6 cl de Rum cubano<br />4 cl de sumo de Limão verde ou lima<br />15 cl de Coca-Cola<br />Gelo</div>Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-13549929006386879892009-09-18T12:44:00.001+01:002009-09-18T12:57:49.532+01:00Caiu o Mundo<strong><span style="font-size:180%;">T</span></strong>inha eu cinco anos quando o mundo me caiu em cima!<br /><br />Isto é algo que acontece a todos, uma ou outra vez na vida, mas normalmente lá mais para a frente quando já se tem as costas mais largas, para aguentar, que o peso do mundo ainda é razoável.<br />Mas aos cinco anos, garanto-vos que é esmagador!<br /><br />Eu tive a sorte de ficar em casa até chegar a altura de começar a escola.<br />Pude assim aprender a ler muito antes do tempo a isso destinado e tive acesso a um manancial de informação que me veio a acompanhar pela vida e que jamais lamentarei.<br />Os dias eram passados em brincadeiras com as minhas irmãs e miúdos vizinhos do prédio da nossa infância, onde, à minha medida, se desenrolava um mundo proibido à estatura adulta, onde nós, os putos, nos movimentávamos com ligeireza, as despensas escuras, armários, cestos de roupa suja e lavada, baixos da cama e de mesas e, a minha "casa" mais querida, a parte inferior da máquina de costura Singer da Tia Lucinda.<br /><br />Foi debaixo da velha Singer que aprendi a ler.<br />A Tia Lucinda ia acompanhando os meus progressos na aventura das letras enquanto alinhavava, tirava pontos, mudava botões e colchetes, enfim, costurava, que era actividade diária numa casa, nesse tempo em que não tinha ainda sido inventado o pronto-a-vestir e em que toda a roupa era feita.<br />A mais fina, de sair, fazia-se no alfaiate ou na modista, as mais simples e os arranjos, faziam-se em casa, onde todos os dias havia fundilhos ou joelheiras para pôr, punhos e colarinhos para "virar", baínhas, remendos, cerzidos, transformações, passagens de roupa entre os irmãos que iam crescendo e de pais para filhos, numa cultura de aproveitamento, reparação e reciclagem que hoje nos é totalmente estranha num sistema organizado para o "usa e deita fora".<br /><br />A costureira de serviço era a Tia Lucinda, que além das habilidades normais numa costureira caseira da época, sabia ainda "cortar calças de homem", tarefa só ao alcance de algumas iniciadas.<br />De manhã, antes de iniciar as tarefas de costura, havia normalmente uma espécie de reunião com a minha mãe onde se discutiam as prioridades e opções em relação ao que se faria a cada peça.<br />Eu ia ouvindo tudo, lá no meu esconderijo secreto, sobre o pedal da máquina, ao lado da grande roda metálica por onde passava a correia de couro que transmitia o movimento aos maquinismos, lá em cima, nessa altura ainda não tinha sido instalado o motor.<br /><br />O universo era pequeno numa casa.<br />Se se falava ali do "rapaz", claro que era eu, o único macho que ai vivia durante o dia, além de que ao meu pai ninguém se atreveria a tratar por "rapaz".<br />- O que é se faz então ao rapaz?- perguntou a minha tia, casualmente, no meio da conversa de costura com a minha mãe - O melhor era cortar-lhe as pernas - respondeu candidamente a minha mãe, achando que era o melhor destino a dar a umas calças a que eu tinha rasgado os joelhos, transformando-as em calções.<br /><br />Rapaz era eu e pernas são pernas! Aterrado perante a medonha transfiguração da minha própria família protectora nos mais malvados carrascos, senti pela primeira vez o horror, o pânico, o que sente o porco na mesa de matança ao ver a faca, a minha tia de tesoura na mão... chorei de pavor e impotência perante o ar aparvalhado da minha tia e da minha mãe, a pensarem que me havia entalado na grande roda de ferro ali ao lado.<br /><br />Isto deu história para uns dias e, anos depois ainda se contava como coisa curiosa, mas o mundo nunca mais foi o mesmo para mim, a confiança cega morreu ali para sempre e nunca, mas mesmo nunca mais, voltei a brincar debaixo da máquina de costura Singer, uma armadilha mortal no quarto de costura.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-69274976447603008432009-08-27T10:40:00.003+01:002009-08-27T11:01:23.900+01:00CAPILÉ ou A Morte da Avenca<strong><span style="font-size:180%;">A</span></strong> Silvina, cujas feições eu já não recordo, ficou como o meu arquétipo da Brites, a célebre Padeira de Aljubarrota, a mulher-de-armas que, no meu imaginário de criança, tinha assado à traição os malvados espanhóis!<br />A Silvina usava o cabelo grisalho repuxado para trás num carrapito de aspecto pétreo e vinha às Quintas-Feiras, para lavar a roupa que, antes de máquinas e até de detergentes, era tarefa titânica a que se poupava assim a Virgínia que era a empregada de todos os dias.<br />A “lavagem da roupa” começava, na realidade, logo de véspera, com as operações de preparação da saponária, pela Virgínia ajudada pela minha mãe e pela Tia Lucinda, numa cerimónia que tinha para mim o cunho de magia propiciatória da grande festa da barrela do dia seguinte, toda força e cheiros e águas.<br />A saponária fazia-se numa grande panela que assumia para mim proporções ciclópicas, de facto era algo tão grande que eu cabia lá dentro, na pequenez dos meus 3 ou 4 anos.<br />Para dentro da grande panela ao lume, as facas afiadas iam desfiando finas lascas translúcidas e marmoreadas de sabão azul e branco que, a pouco e pouco se desfaziam numa agonia viscosa e fumegante, inundando a casa daquele cheiro a aldeia da roupa branca que hoje é tentado de novo nesses detergentes ditos “sabão Marselha”.<br /><br />Durante toda a Quinta-Feira, até as cordas estarem cheias de roupa a secar, lá para a tardinha, o tanque da roupa permanecia destapado e a grande avenca cujo sítio era a cobertura de madeira do tanque, era mudada para a cozinha, onde aguardava a hora de voltar, por mais uma semana, a ser a rainha dos vasos de plantas daquela marquise.<br /><br />Aquela Avenca tinha sido colhida do interior de um poço de Moita de Ferreiros, aldeia em que os meus pais haviam passado férias antes do meu nascimento e era a mais extraordinária que eu algum dia havia de conhecer.<br />Com as suas grandes frondes de feto de alguma floresta primordial, na ponta das finíssimas hastes negras que a deixavam ondular a qualquer brisa, a avenca transbordava do seu vaso numa enorme bola verde de onde, diariamente, a minha mãe ia retirando todas as “folhas” e pés que iam envelhecendo, para assim estimular a emissão de novos rebentos.<br />Tudo o se colhia desta avenca era guardado numa caixa de folha que fora de bolachas e que agora era a Caixa do Capilé. Depois, por alturas da Primavera, a minha mãe cortava rente toda a avenca, deixando quanto muito um escasso centímetro junto à terra, era o “corte à escovinha” e então era ver a maravilha de dezenas de rebentos que em poucos dias surgiam, quais esmeraldas peludas todas enroladas e que abriam em novas frondes, quase que se viam a crescer.<br /><br />O material desse corte, junto ao que durante o ano tinha sido podado, era a matéria prima para a confecção do Capilé.<br /><br />O Capilé é um xarope de caramelo aromatizado de limão e avenca que, depois de diluído em água gelada faz um refresco espantoso cuja composição, curiosamente, é a mesma da Coca-Cola. Mas só a composição, é claro; o sabor é incomparável! Fazia parte de uma trindade de xaropes/refresco muito comuns em qualquer café e nas casas particulares, Capilé, Groselha e Salsaparrilha.<br />Para mim, não havia nenhum que chegasse ao capilé, bebida preferida também pelo Eça para acompanhar o bife do <em>Marrare</em>.<br /><br />Ao dar a sacramental volta pelos meandros virtuais, antes de me pôr a escrevinhar isto, qual não foi o meu espanto por ver que o meu querido capilé estava extinto: em toda a <em>Web</em>, além de gente que se chama ou alcunha Capilé, só há asneiras e confusão, a <em>Bimby</em> diz que capilé é <em>mazagrin</em>, ali que é refresco de café de cevada, o infame xarope de capilé <em>Neto Costa</em> a proclamar-se detentor da tradição…<br /><br />Aqui fica, orgulhosamente só no universo, a receita do melhor capilé do mundo:<br /><br /><strong>Ingredientes:<br /></strong><br />3 Kg de Açúcar Amarelo<br />Vidrado da casca de 3 Limões<br />Sumo de 2 Limões (facultativo)<br />50g de Avenca seca<br />1,5 L de Água do Luso<br /><br /><strong>Preparação</strong>:<br /><br />Passe a avenca seca por água fria para eliminar algum resto de pó, esporos ou terra e ferva-a por alguns minutos em Água de Luso. Deixe a infundir até arrefecer.<br /><br />Toste o açúcar amarelo no forno (tem mesmo de ser “amarelo” pois o açúcar branco funde e queima sem tostar). Isto faz-se espalhando o açúcar no tabuleiro do forno e levando-o a tostar a superfície no grill ou na parte mais alta do forno.<br />De minutos a minutos, quando a superfície fica tostada e escura, mexe-se com um garfo de madeira ou espátula e volta ao forno até que todo o açúcar esteja castanho escuro, não só à superfície mas a totalidade.<br /><br />Junte o açúcar tostado à infusão coada de avenca, mexendo sempre pois tende a fazer um bloco no fundo. Leve ao lume com o vidrado da casca de limão e, se gosta do travo ácido no refresco, com o sumo.<br />Deixe ferver em lume baixo por cinco minutos, engarrafe de imediato, a ferver, e rolhe bem.<br /><br />Assim, com a ajuda da grande avenca, se fazia a meia dúzia de garrafas negras que se consumiam ao longo do ano.<br />Depois, apareceu o primeiro detergente em pó, o <em>Tide</em>!<br /><br />O <em>Tide</em> (seguido do <em>Omo, Juá e Ajax</em>) representou uma mudança radical na vida das casas: acabaram-se as saponárias e as barrelas esfregadas, a Silvina continuava a vir às Quintas mas a “roupa” deixou de ser o espectáculo alquímico e suado que tinha sido até então.<br />Já dava tempo para uma pausa para ouvir o folhetim radiofónico, reivindicado na contratação por qualquer mulher-a-dias que se prezasse, uma história de faca-e-alguidar patrocinada pelo novel detergente, que fazia chorar as pedras da calçada e que ficou conhecida, precisamente, por <em>A Coxinha do Tide!<br /></em><br />A Silvina foi dispensada quando, lá para 1965, chegou enfim a máquina de lavar.<br />Numa das suas últimas idas à Quinta-Feira, nunca se soube como, o pacote do <em>Tide</em> “entornou-se” sobre a avenca que, apesar de todos os cuidados e lavagens, amareleceu e morreu dias depois, numa agonia química inesquecível.<br />Odiei (e acho que ainda odeio) a Silvina por isso, apaguei-lhe as feições da minha memória e assim permanecem, uma mancha branca com cabelo grisalho e carrapito apertado, a matar cobardemente a avenca do capilé.<br /><br />Depois, até hoje, houve muitas avencas e capilés, mas nenhuma chegou em pujança e carisma à grande avenca do poço de Moita de Ferreiros.<br /><br />Por vezes, quando não tenho a necessária, faço o capilé com Lúcia Lima.<br />Mas é outra coisa, claro.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-57376840891184506122009-08-05T21:58:00.003+01:002009-08-06T10:00:52.412+01:00O Curto-Circuito<strong><span style="font-size:180%;">U</span></strong>m dos meus primeiros livros da infância, que ouvi mesmo antes de saber ler e depois li com o deleite das coisas novas e mágicas, foi “O Longo Inverno”, de Laura <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_0">Wilder</span>, um dos livros que depois daria origem à série “Uma Casa na Pradaria”.<br />Hoje, quase meio século e algumas centenas de livros depois, o que recordo desse Longo Inverno são episódios desalinhados, porventura os que terei vivido com mais intensidade, a lenha feita de palha torcida, a expedição de trenó em busca do comboio das sementes, a predição do Inverno terrível por um velho índio, a moagem do cereal num moinho de café e, claro, o roubo de trigo por um buraco na parede, a uns irmãos em casa de quem, no meio da fome geral, se faziam enormes pilhas de fumegantes <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_1">panquecas</span>!<br /><br />Estas <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_2">panquecas</span> que eram ilustradas com um desenho por demais elucidativo, tornaram-se num mito que a minha mãe tentava emular em vão, fazendo os mais variados crepes mas nunca “aquelas” suculentas e fumegantes <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_3">panquecas</span>.<br />Só em adulto, muitas experiências frustradas pelo meio, já com a mordomia do anti-aderente à disposição, cheguei finalmente às <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_4">panquecas</span> perfeitas, ou seja, as <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_5">panquecas</span> do Longo Inverno.<br /><br />Depois de ter ido viver no monte alentejano, estas <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_6">panquecas</span> tornaram-se muitas vezes no pequeno-almoço de Domingo, para toda a família.<br />Foi num desses domingos, enquanto preparava a massa fofa das <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_7">panquecas</span>, que ouvi distintamente esse inconfundível ruído seco e inquietante de um curto-circuito!<br />O ruído vinha do exterior, crepitante e irregular, intenso e ameaçador quando se vive no campo e por todo o lado há árvores e ervas secas.<br />Parei o trabalho culinário, saí para descobrir a origem e depressa percebi que só podia vir do poste eléctrico que sustenta o fio que atravessa o olival, aliás o único sítio onde passava <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_8">electricidade</span> naquele campo todo.<br />Não havia dúvida que estava perante uma grave emergência e havia que agir: um telefonema para a Companhia foi o suficiente para convocar o piquete e, durante a hora seguinte, claro que mais ninguém pensou em <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_9">panquecas</span>, só se tinha ouvidos para o misterioso ruído que nos ameaçava as árvores, a casa, quiçá a vida.<br /><br />Finalmente, lá chegaram os técnicos, com o humor de quem foi acordado ao Domingo de manhã e mandado ir atrás-do-sol-posto.<br />- <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_10">Atão</span> onde é esse curto-circuito? – lá perguntaram à saída do <em>jipe</em>.<br />- Ali mesmo no poste, ouve? – disse eu apontando a coluna de cimento – tem estado toda a manhã a fazer este ruído.<br />Os dois homens do piquete <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_11">entreolharam</span>-se de um modo intencional que eu detectei logo, não sou nenhum parvo, e que interpretei como uma confirmação da minha inquietação e <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_12">dirigimo</span>-nos todos para junto do poste.<br /><br />Então, quando estávamos talvez a cinco metros do objectivo, o ruído parou!<br /><br />Desastre! Era pior que estar na cadeira de dentista e já não saber qual o dente que lá nos levou ou na oficina e o carro ter desistido daquele barulho que esteve a semana toda a fazer… - parece que parou, bom, mas os senhores ouviram bem… agora mesmo estava…- fui dizendo muito enfiado enquanto um dos tipos calçava uns estranhos artefactos de subir a postes, com um ar de peru em véspera de Natal e ia dizendo - na verdade não ouvi nada, mas vamos lá cima ver bem, esteja descansado.<br />O homem lá subiu o poste com uma agilidade <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_13">símia</span>, viu, voltou a ver e, finalmente, no silêncio da manhã alentejana, irrompeu de novo o ruído! – Vê? Ele aí está outra vez! – gritei eu, vitorioso.<br />- É este o barulho? – pergunta lá do cimo o homem-macaco da EDP – Ah! Bom… e desce num instante, sorridente por fim – Não é nada, não se preocupe, só lhe peço que ponha aqui uma <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_14">assinaturazinha</span> na folha de obra, se fizer o favor.<br />A folha de obra é o documento que justifica perante a burocracia deles a vinda até aqui e é constituída por três cópias, das quais eu tenho direito a ficar com a última, depois de <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_15">garatujar</span> uma assinatura no sítio que me indicaram.<br />Fiquei quase com pena de os ver partir.<br />É que agora tinham-se <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_16">transfigurado</span>: as figuras <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_17">taciturnas</span> de há um quarto de hora eram agora alegres, risonhos, quase hilariantes camaradas que estive para convidar a provar uma <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_18">panqueca</span> à Longo Inverno, não fosse já tão perto da hora de almoço. Lá se foram, não sem antes me lançarem um olhar amigo que não mais esquecerei.<br />Enquanto o <em>jipe</em> se afastava devagar, dei uma vista de olhos à folha de papel que me tinham deixado. Lá estava o “motivo da chamada”, curto-circuito exterior e, mais abaixo, na linha assinalada como “Anomalia reparada”, cigarra a cantar!<br /><br />Nunca pude apurar se os solavancos que o <em>jipe</em> dava ladeira acima, eram fruto dos acidentes do caminho, se das gargalhadas que certamente iam lá dentro.<br /><br />Comemos as <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_19">panquecas</span> ao lanche. <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_20">Fi</span>-las assim e estavam uma delícia.<br /><br /><strong>Ingredientes:<br /></strong><br />3 ovos<br />3 colheres de sopa de açúcar<br />1 chávena de farinha com fermento<br />1 pitada de sal<br />50 <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_21">ml</span> de natas<br />1 colher de sopa de óleo<br />Leite q.b.<br /><br /><strong>Preparação:<br /></strong><br />Separe as claras e bata as gemas com o açúcar até obter um creme <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_22">esbranquiçado</span> e liso.<br />Junte a farinha, natas, óleo e cerca de uma chávena de leite e bata tudo com as varas de claras. A <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_23">consistência</span> deve ser mais líquida que uma massa para bolo e menos líquida que massa para crepes.<br />Junte por fim as claras batidas em castelo firme com o sal.<br />Frite numa frigideira de crepes, vire com o auxílio de espátula e sirva quente com o que mais gostar, manteiga, mel, queijo, compota, chocolate fundido, etc.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-81871758359848100112009-05-29T08:47:00.003+01:002009-05-29T11:08:17.259+01:00A Segunda Canção com Lágrimas (M. Alegre)<span style="font-size:130%;color:#006600;">Meu amigo cantava.</span><br /><span style="font-size:130%;color:#006600;">Dizem que cantava.</span><br /><span style="font-size:130%;color:#006600;">E de repente quebraram-se nas veias os relógios </span><br /><span style="font-size:130%;color:#006600;">onde os ponteiros marcavam vinte e cinco anos.</span><br /><span style="font-size:130%;color:#ffffff;">.</span><br /><span style="font-size:130%;color:#006600;">Vinte e cinco navios vinte e cinco mapas</span><br /><span style="font-size:130%;color:#006600;">vinte e cinco viagens para sempre adiadas.</span><br /><span style="font-size:130%;color:#006600;">Meu amigo quebrou-se como se fosse de vidro.</span><br /><span style="font-size:130%;color:#006600;">Ficaram vinte e cinco pedaços de um homem.</span>Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-76153763907374323972009-03-12T14:57:00.005+00:002009-03-12T16:36:47.027+00:00Pataniscas de SardinhaVi a Morte chegar e vencer, muitas vezes, era ainda uma criança.<br /><br />Durante as sestas que os adultos teimavam em fazer numa pretensa solidariedade com os miúdos, estes claro que se escapuliam como podiam e o certo é que passávamos as horas abrasadoras do princípio da tarde de Armação de Pera, por ali, na rua que então era ainda mais deserta que o costume naqueles anos.<br /><br />O lugar de encontro, que todos nós pressentíamos proibido e que, por isso mesmo, nunca era mencionado aos adultos, era o mercado da aldeia onde, fechadas as portas ao público pela hora de almoço, passava a actividade para uma sala nas traseiras onde, de porta aberta, se fazia a matança das reses que seriam vendidas no talho, no dia seguinte.<br />E que espectáculo era!<br />Num compartimento sinistro de paredes nuas, excepto as argolas de ferro onde estavam amarradas as reses condenadas à morte, uma vaca dia sim dia não, dois ou três porcos e sete ou oito carneiros e cabras, aguardando o momento em que eram arrastadas até ao centro da divisão onde, derrubadas de modo a ficarem com o pescoço perto de um grande ralo sem tampa que ali havia eram degoladas numa orgia vermelha pelo Senhor do Matadouro, umas a seguir às outras, ficando a morrer num chimfrim de gritos e esperneios cada vez mais fracos, até ao fim.<br /><br />Nós, os miúdos machos, ríamos em pura bravata, para que ninguém se apercebesse do coração que nos batia descompassado ali mesmo atrás da boca, principalmente as miúdas que também iam e que funcionavam como o alvo das nossas másculas exibições mas que, hipócritas, fingiam tapar os olhos e davam gritinhos quando a faca entrava jugular adentro e o sangue golfava num ímpeto demoníaco, ralo abaixo.<br /><br />A Morte vê-se nos olhos: no olhar enraivecido do porco, que sabe bem o que o espera e que urra ainda mal vê a faca fatal ao longe, no olhar choramingas e aparvalhado da vaca que pressente que algo está errado mas não sabe bem o quê, no olhar ausente e estúpido de ovelhas e cabras que não percebem nada e ficam a olhar o vazio com os olhos meio abertos, os conhecidos "olhos de carneiro mal-morto". Frangos e galinhas, já estão mortos e ainda voam sem cabeça...<br /><br /> Depois vinham mais facas e grandes serras, ganchos e machados e começava a verdadeira carnificina da esfola, das vísceras, das peles ensanguentadas, até tudo aquilo se transformar nas inocentes peças que iriam parar aos nossos pratos no dia seguinte.<br />Nós, os putos, embriagados por aquele cheiro doce e acre, sangue, urina, fezes e morte, íamos continuando a ver quem era o mais bravo que conseguia tocar nas tripas fumegantes, enquanto éramos afugentados pelo ali todo-poderoso, senhor da morte e da vida, o Senhor do Matadouro.<br /><br />O Senhor do Matadouro era um caso de transfiguração e múltipla personalidade: de manhã ele era o afável Senhor do Talho, desdobrando-se em afabilidade entre iscas, bifes e costeletas que iam enchendo as cestas de compras das clientes; à tarde era o terrível assassino que já conhecemos; depois, à noite, era o Senhor Júlio, vizinho da casa ao lado da nossa, alugada à época, dono de um perdigueiro sem cauda e cor de chocolate, o Vaidoso, em cuja cozinha eu passava horas a ver a mulher, D. Mariana, a fazer grandes panelas de banha e torresmos, salsichas e carne para enchidos, que a salsicharia que fornecia o talho era ali na sua cozinha.<br />Era raro o dia em que não provássemos os petiscos que iam ser o jantar lá em casa. E que belos petiscos.<br />Com a D. Mariana aprendi sabores novos e inusitados, o polvo seco assado no lume, a rexama, os torresmos feitos ali todos os dias e comidos a ferver num bocadinho de pão, os figos assados e as Pataniscas de Sardinha.<br /><br />À noite, no calor algarvio, vivia-se ali à porta.<br />A D. Mariana puxava um banquinho de madeira e ficava ali a fazer renda e a cavaquear com a minha mãe e outras vizinhas, ao fresco da noite, o Sr. Júlio brincava com um netito ainda bebé que ali vinha à noite e que ensaiava os primeiros passos pela mão do avô babado que só nós sabíamos que, no dia seguinte depois de almoço, se transmutaria, qual lobisomem, no terrível matador do mercado.<br /><br /><strong>Ingredientes:</strong><br /><br />250g Farinha com fermento<br />2 Ovos<br />Sal e Pimenta<br />Salsa picada<br />Água<br />Sardinhas bem fritas, em pedaços<br /><br /><strong>Preparação:</strong><br /><br />Frite bem as sardinhas até elas estarem bem secas e duras. Parta-as em pedaços e reserve.<br />Faça um polme com os restantes ingredientes, como foi dito aqui, bata bem até fazer bolhas à superfície, misture as sardinhas e frite em óleo quente.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-44073868114997755282009-02-11T23:38:00.004+00:002009-02-12T08:36:42.374+00:00Tajine de Carneiro com Figos (Lost in Translation)Não há figos como os de Marrocos!<br /><br />Há muitos anos, ainda no tempo das viagens de mochila, fui com a Maria José até Marrocos. Éramos ambos bem jovens nessa altura e as finanças jovens só permitiam ficar pela borda Norte do país, Tânger, Tetouan, sair pela espanhola Ceuta.<br />Era Verão e Marrocos é, nessa altura, uma incrível paleta de cores, cheiros e aromas, a despertar apetites urgentes pelas novidades estivais: tâmaras, figos, açafrões, chás, óleos preciosos, tudo se nos ia oferecendo, à compra e ao palato, numa sucessão rápida, regateio após regateio.<br />No terceiro dia de Tânger, muitos figos entretanto comidos sem lavar, deu-se a catástrofe: fui acometido por uma gastroenterite que me deixou com, além dos sintomas digestivos habituais, uma febre de 40ºC!<br />Sem sabermos o que fazer, eu delirava no meio da febre, a Maria José foi pedir auxílio no pequeno hotel onde estávamos e, daí a pouco, chegava o médico!<br />E que médico!<br />Era um homenzinho sujo que falava francês ainda pior do que eu, com uma maleta que parecia saída de um caixote de lixo.<br />Sem mais, abre a sua caixinha de Pandora e tira uma seringa e uma saqueta de <em>Aspegic</em>, das orais, que tinha dentro um pó já acastanhado e que se preparava para me injectar, dissolvido num líquido qualquer que vinha num frasquinho.<br />Lúcido suficiente para perceber que se aproximava a minha hora, não pela gastroenterite mas pela abominável injecção, mas fraco demais para conseguir reagir fisicamente, reuni tudo o que me restava para lhe dizer que não queria um remédio para a febre mas para a doença.<br />Balbuciei, no meio do delírio, apontando para a saqueta de <em>Aspegic</em> estragado: - <em><strong>“Je suis alergique, j’ai mangé beaucoup de figues”.<br /></strong></em>Então, perante os meus olhos atónitos, o curandeiro começou a contorcer-se em esgares, um dedo sobre a boca no universal gesto de pedir silêncio, o polegar da outra mão a apontar disfarçadamente para a Maria José, que estava atrás dele.<br />- <em><strong>J’ai mangé beaucoup de figues</strong></em> , repeti perante as contorções aflitas do "doutor", que aumentaram de intensidade e intenção. “Non, non”, dizia para mim, numa aflição e depois para a Maria José, lá atrás, “il délire, il délire!”.<br />A Maria José, que não estava a perceber nada daquilo, lá lhe confirmou as prodigiosas quantidades de maravilhosos figos que eu tinha comido e então, de repente, de novo uma mudança total: descontraiu e passou a rir muito, parecia outro. Acabou por passar uma receita de algo que nunca se chegou a aviar e, ao despedir-se, segredou-me que tinha percebido que eu dizia “<em><strong>J’ai mangé beaucoup de filles</strong></em>” ali, à frente da minha mulher.<br />Acabei por curar-me com um antibiótico que venderam à Maria José, numa farmácia, e no dia seguinte, já estava na rua, de novo e a comer estes deliciosos figos que, frescos, meio passados ou secos, fazem parte integrante e imprescindível da cozinha marroquina. Sobremesas, tajines, compotas, acompanhamentos, tudo leva estes frutos do Mediterrâneo e do deserto.<br />Um dos pratos emblemáticos e imperdíveis da cozinha de Marrocos é a deliciosa <em><strong>Tajine de Carneiro e Figos</strong></em>, uma experiência gastronómica única e que não mais se esquece.<br /><br /><br /><strong>Ingredientes:</strong><br /><br />1,5-2 kg de carne de carneiro, perna e costela<br />500g de figos secos<br />2 Cebolas picadas<br />1 ramo de Coentros<br />1 colher de sopa de sementes de coentro<br />½ colher de gengibre em pó<br />½ colher de pimenta preta<br />½ colher de Curcuma<br />½ colher de canela moída<br />4 colheres de sopa de óleo de Argão (ou Azeite)<br />Sal q.b.<br /><br /><strong>Preparação:<br /></strong><br />Ponha a carne, a cebola, a gordura e todos os temperos numa panela, cubra com água e deixe cozer durante 90 minutos.<br />Lave os figos e coza-os em vapor durante 10 minutos.<br />Sirva os figos sobre a tajine quente.<br /><br /><strong>Nota</strong>: Este prato tradicional é acompanhado por chá de menta e, por vezes, com cuscuz cozido em vapor.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-36773584125506387462009-02-05T21:14:00.007+00:002009-02-06T16:39:51.089+00:00Os Risottos de Umberto Eco<em><strong>“Perguntei-lhe apenas que direcção tínhamos tomado:- Solara fica na fronteira entre as Langhe e o Monferrato, é um sítio lindíssimo, vais ver, paizinho. …/… via sinais que me falavam de cidades conhecidas, Turim, Asti, Alexandria, Casale. Depois entrámos em estradas secundárias …/… evidentemente tínhamos penetrado no Monferrato…/… estávamos a entrar noutro mundo, numa festa de vinhas ainda jovens.<br />… a determinada altura vi uma placa que dizia Mongardello. Disse: - Mongardello. Depois Corseglio, Montevasco, Castelleto Vecchio, Lovezzolo, e chegamos, não é?”<br /></strong></em><br />É assim, com o seu estilo poderoso e cativante, que Umberto Eco começa a viagem de Yambo pela estranha amnésia que o afecta. É uma viagem pelo seu passado, uma viagem pela história recente de Itália e os seus fantasmas, pela banda desenhada da sua infância, na “Misteriosa Chama da Rainha Loana”, que a Difel publicou entre nós em 2005.<br /><br />Eu sou um bom “leitor”, mas incuravelmente <em>naïf</em> . Lembro-me como se fosse ontem do modo como, ainda há pouco na adolescência, vivi As Minas de Salomão, que alguém escreveu e Eça de Queiroz traduziu de modo tão magistral que o tornou uma obra-prima. Tremi então de raiva impotente por um tesouro ingloriamente perdido. De então para cá, os (bons) livros teimam sempre em pregar-me a mesma partida ao fazerem-se vividos e reais, ficção a baralhar-se com informação.<br /><br />Nunca duvidei da existência destas vilas e aldeias de Eco e, como ia passar as férias por Itália, reservei um dia de paragem entre Milão e Turim, para visitar este roteiro literário que me seduzia e que queria ver com os meus olhos.<br /><br />Cheguei a Casale, não liguei ao primeiro sinal “estranho” que era ninguém saber onde eram todas as outras localidades – “Disparate! São pequenas aldeias que nem vêm no mapa” – dizia convicto enquanto percorria quilómetros sem fim, entre as Langhe e o Monferrato, na esperança de avistar as velhas e gastas placas que indicariam Corseglio, Lovezzolo, por fim Solara.<br />Nada!<br />Cheguei a Turim já de madrugada, zangado, muito zangado com o pobre Umberto Eco, miserável vigarista que misturava assim, deliberadamente, terras que existem com outras inventadas…<br /><br />Conheci nesse dia, por compensação do esforço vão ou prémio “o mais ingénuo do ano”, os <strong>Carnaroli, Baldo, Vialone anão, Balilla, Arbório, Roma</strong>, se calhar ainda outros que já esqueci, por não ter comprado toda a incrível variedade de arrozes especiais para risotto, que ali crescem nas margens do Pó e nunca chegam às prateleiras estrangeiras.<br />Nunca os teria conhecido se não tivesse saído da grande auto-estrada que liga Milão a Turim e ido à procura da Solara de Eco.<br /><br />Obrigado Umberto!Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-83096305661838444852009-02-04T20:53:00.003+00:002009-02-04T21:33:51.372+00:00II Série - Cá vamos nós!Não gosto de <em>remakes</em> e sequelas.<br /><br />Claro que há honrosas excepções: aquele filme, peça ou livro que, refeitos com o toque do génio, ultrapassaram e por vezes, apagaram da memória os pálidos originais.<br /><br />Quando, ainda há menos de dois meses, decidi que o <em>Comidas Caseiras</em> chegara ao seu fim natural, estava realmente decidido a pôr um ponto final nessa série, que foi a minha estreia, não só nos blogs de comidas e gastronomia como na própria Blogosfera.<br /><br />Se hoje aqui volto e reacendo este lugar algo estranho em que, mais que de comidas, se fala de uma vida e das pequenas histórias que a fazem e fizeram, é por causa totalmente acidental e fortuita: Instalei a 19 de Janeiro um contador de visitas no Outras Comidas.<br />Dias depois, surpreendido pelos números aí atingidos e que eu nunca imaginara - na realidade já acharia um décimo muito bom!- decidi instalar aqui também um contador.<br /><br />Isto passou-se há onze dias e, desde então, percebi, totalmente estupefacto, que fui visitado neste blog "morto" há quase dois meses, por mais de 2700 vezes!<br /><br />Bom, se todos os dias há duzentas e cinquenta pessoas que acham que ainda vale a pena passar por aqui, não as irei defraudar com o meu silêncio.<br />Claro que não poderei manter regularidades passadas: a minha mudança do "morno" Alentejo para o rodopio de Lisboa, acarretou um aumento natural da minha actividade profissional como <a href="http://www.allistica.com/">hipnoterapeuta e auriculoacupunctor</a>, com uma diminuição drástica do tempo livre.<br /><br />Mas tentarei ir "aparecendo" e, aos poucos, dar-vos mais um pouco de mim, neste "<em>day after</em>".<br /><br />Até já!Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-11910649645515920612008-12-13T00:20:00.003+00:002008-12-13T19:50:15.046+00:00EPÍLOGOO Comidas Caseiras completa hoje o seu ano de existência!<br /><br />Como livro de memórias que quis ser, e foi, teve o tamanho da memória que o sustentou e agora, naturalmente, chegou ao fim.<br /><br />A todos os que, lendo-me, me acompanharam com o vosso apoio, comentários, críticas e amizade, o meu sincero agradecimento.<br /><br />Deixarei o blog inactivo a partir de hoje, mas on-line por mais alguns meses, de modo a servir quem assim quiser.<br />Entretanto continuarei convosco atraves do "<a href="http://outrascomidas.blogspot.com/">outras comidas</a>".<br /><br />Obrigado<br /><br /><span style="font-size:180%;">FIM</span>Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-78625239885204666212008-12-13T00:12:00.004+00:002008-12-22T13:33:53.098+00:00O JANTAR DE NATALMais do que estritamente pessoal, o Natal é uma aquisição da tradição familiar.<br />Construída de geração em geração, sempre evoluindo, esta tradição torna-se num emblema que, de algum modo, define aquela família.<br /><br />Na minha família, como em todas as outras, temos o “nosso” Natal!<br /><br />O dia 24 de Dezembro é privado de cada célula familiar mais pequena: em minha casa é um dia que começa logo de manhã com a preparação das diversas vitualhas que serão consumidas nesse dia e no seguinte: é tempo de acabar o dessalar do bacalhau, preparar as couves que o acompanharão à Consoada, rechear figos secos com nozes e amêndoas, por sua vez também descascadas na altura, cozer a abóbora para ter tempo escorrer, pôr o peru de molho com limão e laranja, embrulhar algum presente retardatário e pô-lo junto à árvore de Natal.<br /><br />Com alguma pequena pausa para ver pela décima vez um Cirque du Soleil que a televisão teima em repetir a cada Natal, mas que se vê sempre com o mesmo prazer infantil, depressa chega a hora em que vai para o lume o <strong>Bacalhau da Consoada</strong>.<br /><br /><strong>Ingredientes</strong> (por pessoa):<br /><br />2 ovos<br />4 batatas médias<br />1 cebola<br />1 cenoura<br />Couve Portuguesa<br />Sal<br />2 postas de Bacalhau<br />Pimenta, alho e salsa, muito picados<br />Azeite extra-virgem e Vinagre de Vinho<br /><br /><strong>Preparação</strong>:<br /><br />Coza em água e sal os cinco primeiros ingredientes.<br />Introduza então, por cima, as postas de bacalhau e leve de novo ao lume.<br />Quando começar a levantar fervura, baixe o lume para o mínimo, de modo a que a fervura quase pare, e deixe assim por cinco minutos. Apague o lume e deixe tapado por mais cinco.<br /><br />Tempere no prato com pimenta, alho e salsa, azeite e vinagre.<br /><br />Entre a Consoada e a meia-noite é o reino dos doces!<br /><br />Altura para as grandes fritadas natalícias: as Filhoses de Abóbora, os Sonhos, Coscorões, Rabanadas, Biscoitos da Gina, juntam-e ao Bolo Rei, de compra, ao Arroz Doce, às vezes Aletria, aos Pinhões, Tâmaras, Figos, Amêndoas, Broas Castelar, Passas, tudo o que, supostamente será consumido com Cacau Quente à meia-noite, depois das prendas, mas que fica sempre, intacto, para o dia seguinte.<br /><br />No dia 25, ainda em minha casa, bem cedo, a família almoça <strong>Roupa Velha</strong>.<br /><br /><strong>Ingredientes</strong>:<br /><br />Sobras da Consoada ( Bacalhau, Batatas, Couve, Ovo)<br />Alho em fatias<br />Azeite<br />Pimenta<br /><br /><strong>Preparação</strong>:<br /><br />Frite o alho em azeite numa frigideira grande até começar a alourar.<br />Junte as sobras (que se fizeram sobrar, claro, por isso 2 postas por pessoa!), partidas em pedaços e o peixe sem espinhas, envolva e deixe fritar em lume forte, voltando amiúde. Tempere com pimenta e sirva bem quente.<br /><br />Depois do almoço começa o Natal da família alargada: é a partida para a casa dos meus pais, onde as várias famílias que nela nasceram se reúnem, uma vez por ano, para o Jantar de Natal.<br /><br />Aqui, as tarefas são divididas: Como somos três, os irmãos, cada um dedica-se a uma parte do jantar; eu fico com o peru recheado, a minha irmã Teresa com os peixes e mariscos e a Isabel com tudo o que é doce.<br /><br />Fazer o peru é algo que começou já dois dias antes, em minha casa, com a mortificação em água e sal e sumo de citrinos e com a preparação do<strong> recheio</strong>, de que a minha família come em quantidades prodigiosas.<br /><br /><br /><br /><strong>Ingredientes</strong> (para um peru de 7 kg):<br /><br />750g de carne de vaca<br />500g de perna de porco<br />400g de fígado de porco<br />400g de entremeada<br />250g de fígado de peru<br />6 Salsichas frescas<br />2 Chouriços de carne<br />125g de manteiga<br />1 Cebola grande<br />1 colher de sopa de açúcar<br />6 dentes de Alho<br />Sal, pimenta, salsa picada e noz moscada<br />Tosta ralada, clara.<br />Sumo de limão<br /><br /><strong>Preparação</strong>:<br /><br />Coza as carnes e enchidos por uma hora, na pressão, com pouca água, de modo a obter um caldo concentrado. Passe as carnes no moínho e reserve.<br /><br />Refogue a cebola e os alhos na manteiga até alourarem e passe-os com a varinha, de modo a ficarem totalmente desfeitos.<br /><br />Junte as carnes passadas, junte caldo da cozedura, o açúcar e envolva. Tempere com sal, pimenta, moscada e salsa.<br />Leve ao lume, mexendo sempre até começar a sair exuberante vapor.<br />Junte então tosta ralada, da mais clara, ou miolo de pão duro, e ligue o conjunto que deve ficar com uma consistência menos ligada e mais mole que picado para croquetes. No fim regue com sumo de limão e envolva bem.<br /><br />Rechear um peru é, principalmente, um trabalho cirúrgico. Depois de encher completamente o interior do bicho, quer pela abertura abdominal, quer o “papo”, há que coser, pacientemente, todas as saídas, com auxílio de agulha cirúrgica e fio de algodão cru, usando retalhos suplementares de pele (costumo esfolar uma perna de peru, tempos antes, e guardar congelada a pele), pois é raro que a pele venha completa.<br /><br />Depois é barrar todo o animal com uma mistura de margarina, sumo de limão, sal, alho em pó, pimenta e colorau, e pô-lo no forno até às 16.30, para comer às 9h.<br /><br />A assadura começa por 15 minutos de forno muito quente (230ºC) passando depois para 4 horas de forno mínimo (130ºC) e um final de 15 minutos a 200ºC, para terminar o tostado da pele. Durante todo o processo o peru nunca deve ser espetado, de modo a não perder os sucos internos.<br /><br />Tradicionalmente é acompanhado de Arroz Papal, uma espécie de arroz de manteiga que a minha irmã Teresa faz de maneira superior; visto de fora pode parecer apenas arroz muito cozido, mas na verdade é um sabor imprescindível ao nosso Natal familiar.<br /><br />Tudo o resto é tradição, desde o sermos muitos, de todos os anos haver novidades quanto a novas presenças ou ausências, os peixes e mariscos da Teresa, as “babas” e “bavaroises” da Isabel, a algazarra geral, a segunda troca de prendas, depois a debandada até para o ano que vem, no Jantar de Natal!Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-55411012914662304652008-12-12T14:46:00.005+00:002011-05-20T13:58:05.832+01:00A Alma da TrindadeCada um tinha, sobre ele, ouvido uma história diferente: era um Conde arruinado que bebia para esquecer os faustos passados, era empregado numa livraria da Baixa e sofria de antigo amor infeliz, era alfarrabista ali mesmo no Carmo, mas eu, (na altura, batia todos os alfarrabistas do Bairro e arredores) nunca o vi em nenhum.<br />
Certo, certo, era encontrá-lo, noite após noite, ano após ano, solitário na primeira mesa da Cervejaria da Trindade, com as longas barbas que foram passando do negro ao branco, primeiro salpicado, depois total, bebendo Sagres Preta, 3 garrafas de cada vez, que para ele a medida para a cerveja era o litro!<br />
Nunca lhe soubemos o nome e era, para nós, o Barbas! Chegava cedo e bebia devagar, sempre só; no fim da noite, pagava e saía sem uma palavra, triste, deixando atrás de si a mesa repleta, onde já não cabiam mais “troféus”…. até amanhã…<br />
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Depois, num ano qualquer, todos percebemos que mudança maior se fazia: o Barbas alquebrou-se numa agonia sem fim e mesmo assim teimava em cumprir a sua própria lenda até ao dia em que não apareceu. Morreu! Dizem que morreu…<br />
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A Trindade morreu com ele.<br />
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Não se iludam os que pensam que a viram, viva e de boa saúde, ainda um dia destes, ou comeram lá um bife com um belo molhinho, pelo qual pagaram os olhos da cara, antes de serem enxotados como cães por uns empregados mal-encarados, que aquilo agora pertence à Portugália e não é para fazer sala!<br />
Esta é a Trindade de hoje, até se pode “lá” ir sem passar pelo Inferno de estacionar no Bairro: sim, já se reproduziu, como a “mãe” Portugália e tem uma infame "filha" numa loja do Campo Pequeno.<br />
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A outra de que vos falo, a do Barbas, era uma cervejaria de Lisboa, para os lisboetas.<br />
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Não fazia parte de nenhum roteiro de agência de viagens; claro que dos velhos empregados que nós conhecíamos pelo nome – o Vicente era guarda-freios da Carris e fazia ali um biscate, todas as noites, com uns bigodes de meio metro – nenhum sonhava em saber falar inglês, o que, aliás, também era totalmente inútil: quem ia à Trindade era porque queria comer um bife com aquele incrível e inimitável molho e uma caneca, e para isso qualquer língua serve.<br />
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Se, ao menos, o molho tivesse sobrevivido…<br />
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Quando o bife custava vinte e cinco escudos (12,5cents!), mais vinte e cinco tostões se fosse com ovo, nós sempre apertados com as nossas magras mesadas estudantis, fazíamos a festa com uma “molheira”, batatas fritas, pão e uma imperial, tudo nem chegava a 10$00! E que festa! Perante aquele molho quem queria carne? Estava ali tudo o que importava. O Vicente, mal nos via, trazia logo a bebida, sem perguntar nada, depois era só saber se o molho era com carne…. ou sem!<br />
<br />
O molho que hoje acompanha os maus bifes da Trindade é uma orgiazeca de gordura e Maizena com um sabor arrepiante a coisa instantânea, feito a metro e despejado por cima.<br />
A Trindade perdeu a alma, ficou o <em>zombie</em>, foi-se o espírito.<br />
<br />
Fico às vezes a pensar se, como num filme de terror de série B, o velho Barbas, ou Conde, alfarrabista ou livreiro triste, era afinal a alma da Trindade, entristecida por vislumbrar o seu pobre futuro. Porque, como é sabido, as almas tudo sabem…<br />
<br />
Durante muitos anos, eu e outros amigos da velha Trindade, fomos experimentando em tentativas sem fim, pelo método infalível do erro corrigido, emular o molho da Trindade, o antigo claro. Com algumas dicas “assopradas” ao ouvido pelo Vicente, entre duas imperiais, conseguimos o que aqui fica e que é, seguramente, a melhor aproximação ao desaparecido “melhor molho de bifes do mundo”:<br />
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Ingredientes:<br />
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1 Kg de bifes de novilho<br />
250g de Manteiga<br />
2 colheres de sopa de Banha<br />
2 colheres de sopa de alho esmagado (ou massa de alho)<br />
2 folhas de louro<br />
2 colheres de sopa de condimento de mostarda vulgar (não de Dijon)<br />
1 Imperial Sagres (ou uma Mini)<br />
1 café forte (bica)<br />
1 pacote de natas (200ml)<br />
3 gemas<br />
Sal e pimenta<br />
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Preparação:<br />
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Bata os bifes com o martelo apropriado, deixando-os finos (isto é um bife de “cervejaria”). Tempere com um pouco de pimenta e sal, de um lado, e frite-os rapidamente em banha e lume forte, dos dois lados. Reserve.<br />
<br />
Leve ao lume 125g da manteiga, a banha e o alho, até que fique castanha ( cor de couro) mas sem queimar. Adicione então a restante manteiga, o louro e a mostarda e deixe ferver, mexendo sempre com as varas. Ponha então a cerveja e deixe ferver cinco minutos para ter a certeza que evaporou o álcool antes de juntar as natas onde previamente bateu as gemas e a bica. Toda a operação é feita mexendo sempre com as varas, melhor duas pessoas.<br />
Leve de novo ao lume, mexendo para homogeneizar, prove e tempere de sal e pimenta.<br />
Junte os bifes e deixe que acabem de passar no molho, que os deve cobrir.<br />
<br />
Sirva em frigideiras de barro ( ou de metal, como na Trindade), com um ovo estrelado em cima, nadando em molho e com batatas fritas em palitos finos, à parte.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-44695129303002356672008-11-13T14:59:00.000+00:002008-11-13T15:04:59.725+00:00Porto VintageHoje seria talvez considerado como alguma espécie de assédio profissional ou procedimento eticamente suspeito, mas durante os anos da minha infância era perfeitamente comum o recebimento de ofertas em géneros por parte de pessoas que, eventualmente, tinham para connosco, além da amizade, algum vínculo de subordinação laboral.<br />O meu pai chefiava uma grande equipa de homens, espalhados por todo o país e nas então “províncias ultramarinas” e, numa altura em que era normal que um trabalho fosse para toda a vida, desenvolveu com muitos desses subordinados, relações de verdadeira e profunda amizade.<br />Ao longo do ano, esses amigos que trabalhavam na província traduziam a sua amizade por envios a que nos habituámos: as Morcelas da Guarda, enviadas por um tal Sousa, trutas de conserva de Aveiro e Doces de Ovos da Pastelaria Horta, para os “meninos”, do Laranjeira, de Viseu, Castanhas, Uvas e Peros Bravo de Esmolfe, pelo Taveira da Rocha, de Carrazedo de Montenegro, Presunto de Chaves, queijos e vinhos especialíssimos, broas de proporções bíblicas…<br /><br />Tal como eu (1955), também o meu pai nasceu em ano de Porto Vintage 1922.<br />Quando, em 1972, completou meio século de existência, recebeu uma prenda de anos assaz curiosa: Um garrafão de cinco litros de Vinho do Porto.<br />Esse garrafão chegou lá a casa via CP, sem marca e com uma nota que dizia algo como”…ao amigo Pontes, um vinho do Porto do seu ano de nascimento, parabéns, etc…” e era enviado por um grupo de colegas do Norte.<br /><br />Pouco dados a estas subtilezas, lá em casa ninguém estranhou ter recebido um garrafão assim sem marca, a coisa era banal, todos provámos o vinho que era algo de verdadeiramente assombroso, com a inocência da ignorância, pôs-se um tanto numa licoreira e o resto foi guardado na despensa.<br />Durante os anos seguintes, sempre que era preciso a minha mãe lá ia buscar tempero para bolos, assados, guisados, sei lá, até que acabou por acabar o tal Porto Com a Idade do Pai !<br /><br />Anos depois, eu já homem feito, em conversa com o tal Taveira da Rocha, soube que aquele garrafão era um Porto que ele próprio tinha descoberto, em pipa ainda, numa adega particular, perdida no Douro. Era, além do vintage de 1922, envelhecido no carvalho por 50 anos e o preço foi tal que teve de ser dividido por muitos…<br />Eu consegui disfarçar o embaraço provocado pela revelação e, ainda hoje, não consigo perceber se tenho vergonha pela tolice ou orgulho pacóvio por ser, seguramente, o único ser humano que comeu alegremente, filhós temperadas com um Vintage de 50 anos!Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-39010646055490264132008-11-11T15:28:00.007+00:002008-11-12T09:47:57.067+00:00Os Frangos do Senhor SabinoIr comer frango de churrasco ao Sr. <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_0">Sabino</span> era um saber iniciático que chegou lá a casa, nunca cheguei a apurar como.<br />Penso que teria sido segredado ao meu pai em conversa de pescarias, suspeito por quem, mas a verdade verdade, é que nunca tive a certeza.<br />É que o "<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_1">Sabino</span>" era um local improvável e totalmente fora-da-lei e o próprio, pasme-se, suplicava aos clientes que nunca divulgassem a sua existência, o que ia conseguindo de forma medíocre, pois era difícil arranjar vez para um almoço ou jantar, este à luz de um velho e ruidoso "<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_2">Petromax</span>", pendurado sobre a mesa de madeira <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_3">enodoada</span>, dizia-se que era o sítio onde matava o porco...<br />Era essa mesa de matança e os dois bancos corridos que a serviam, que determinava a lotação máxima de cada refeição: Oito pessoas, quatro de cada lado - quanto muito podia-se ir buscar uns mochos de fórmica vermelha para as cabeceiras e lá se sentavam mais dois.<br />Durante o Verão, apesar do "segredo", era difícil arranjar um dia para se ir ao <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_4">Sabino</span>. Depois, com os banhistas de ocasião afastados pelo <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_5">Outono</span> e pelo fim impiedoso das férias, podíamos então <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_6">desfrutar</span> dessa experiência única que era a degustação de um frango espantoso, paradigma da simplicidade e da paciência infinita com que eram assados pelo Sr. <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_7">Sabino</span>.<br />Este Sr. <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_8">Sabino</span> era, ele próprio, uma personagem dificilmente descritível: pequeno de estatura e irrequieto, ele era, <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_9">simultaneamente</span>, agricultor, viticultor, comerciante, criador de gado, construtor civil, <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_10">destilador</span> ilegal da melhor "<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_11">gimbrinha</span>" da região e, <em><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_12">last</span> <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_13">but</span> <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_14">not</span> <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_15">least</span></em>, o incontestado "rei" dos frangos assados no carvão.<br />Isto do "rei", digo eu agora, que "<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_16">reis</span>" de uma coisa qualquer, são normalmente aqueles que, por fazerem o seu mister ou venderem o seu artigo aos milhares ou às carradas, reclamam para si próprios o nobiliárquico título, assim como se fosse um atestado de <em><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_17">Guinness</span></em>, livrinho cretino que, também ele, regista feitos, quantidades e tamanhos e, curiosamente, entre tantos milhares de "<em>recordes</em>", não tem um único que distinga a qualidade!<br />Como não podia deixar de ser, o "restaurante" <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_18">Sabino</span>, além da inexistência legal, também não se via a olho <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_19">nu</span>. Situado por baixo da casa do próprio, já não consigo precisar se em <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_20">Odrinhas</span>, se na vizinha Santa <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_21">Susana</span>, aproveitava o declive natural do terreno e abria-se por trás, a toda a largura da casa, como uma garagem, para o imenso vale que se estende até à <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_22">Assafora</span> e à Praia da Samarra, uns quilómetros mais adiante.<br />À porta, entre <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_23">arrumos</span> agrícolas, fardos de palha e uma fascinante montanha fumegante de bagaço a fermentar, depois de ter deixado para trás as uvas, o vinho, e a bagaceira ilegal, estava o meio-bidão ferrugento onde umas poucas brasas quase apagadas realizavam o milagre da transmutação de simples frangos, nem sei se "do campo", em peças gastronómicas únicas, ao fim de uma laboriosa assadura que durava nunca menos de quatro horas.<br />Quando se dá a um frango um tal "<span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_24">tempero</span>", tudo o mais <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_25">soa</span> a excessivo e desnecessário. Umas <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_26">pedritas</span> de sal grosso e o tal calor doseado com usura era tudo o que o <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_27">Sabino</span> utilizava para apresentar o divino frango, sem uma única asinha mais escura, pele <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_28">estaladiça</span>, acompanhado por umas saladas de tomate ali apanhado e batatas fritas que a mulher ia fritando na cozinha, por cima, e trazendo sempre a ferver.<br />O vinho, só para os adultos, claro, saía directamente das grandes <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_29">cubas</span> em cimento onde tinha nascido ou já dos tonéis, ali mesmo, ao lado do secreto alambique de cobre disfarçado com sacas de cimento velhas, que a garagem-restaurante também era a adega e destilaria, pois claro!<br />Não faço <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_30">ideia</span> se teve continuação este "segredo" do frango do <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_31">Sabino</span>. Nem sei se descobriria de novo o local, agora <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_32">enxameado</span> de construções por todo o lado que dantes era campo.<br />Do frango do <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_33">Sabino</span> da minha infância e adolescência, retive a lição mais preciosa: hoje, no meu "<em><span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_34">barbecue</span></em>" alentejano, construído a partir das medidas do bidão enferrujado do <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_35">Sabino</span>, faço também essa delícia a fogo mínimo e paciência máxima, uma manhã inteira a assar o almoço lá para as duas da tarde e ter como prémio o silêncio de algum conviva, daqueles que sabem um molho secreto para pincelar frangos de comida-a-peso e que, ao provarem o meu frango do <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_36">Sabino</span> ficam muito caladinhos, arregalam o olho e vão comendo... comendo...<br /><br /><strong>Ingredientes:</strong><br /><br />Frango aberto, cortado em metades.<br />Carvão de <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_37">azinho</span><br />Um pouco de sal grosso<br />Assador em que o fogo fique, a 40cm da grelha<br />Paciência<br /><br /><strong>Nota:</strong><br /><br />Acenda o carvão uma hora antes de por a carne ao lume.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-25833517384059274662008-10-03T09:51:00.010+01:002008-10-03T12:46:25.353+01:00As Marmeladas<em>Uma das últimas coisas que se fazia anualmente, mesmo antes do recomeço das aulas, que na altura acontecia a 6 de Outubro, logo a seguir ao feriado da República, era a marmelada.</em><br /><em>Apesar das doçuras amenas que o nome evoca, a feitura da marmelada era um momento épico, só com paralelo na tomatada, de que um dia vos falarei, e no fim do qual a minha mãe jurava a pés juntos que tinha sido a última vez, que a marmelada era das coisas mais baratas que havia, que não havia marmelada que pagasse aquelas canseira e imundície! </em><br /><em>Mas no ano seguinte alguém voltava a dar um grande cabaz de marmelos ou gamboas, e talvez porque havia na casa da minha infância um respeito quase sacralizado pelos alimentos e pelo seu aproveitamento - desperdiçava-se muita coisa, mas quando se tratava de desperdiçar comida ficávamos com uma espécie de sentimento de culpa pecaminosa que, passados todos estes anos, ainda hoje encontro em mim - lá se avançava de novo para o dia da marmelada, esquecidas as juras do ano anterior.</em><br /><em>No dia da marmelada faziam-se realmente duas marmeladas: a "branca" e a "vermelha" e ainda a geleia de marmelo, que no Norte é chamada "mel".</em><br /><br /><strong>Ingredientes (marmeladas):</strong><br /><br />Marmelos ou gamboas, descascados e cortados em quartos.<br />Açúcar branco - O mesmo peso que o fruto depois de descascado.<br />Sumo de 1 limão por cada quilo de marmelada, para obter a variedade de marmelada de cortar em fatia. Para a variedade de marmelada de tijela, para barrar, não se usa limão.<br /><br /><strong>Ingredientes (geleia) :</strong><br /><br />Cascas, sementes e cascabulhos de marmelos ou gamboas.<br />Açucar<br />Sumo de limão<br /><br /><em>O que faz uma marmelada ficar clara ou vermelha é a faca com que se arranjam os frutos. Se se usar uma faca inox e se juntar logo o sumo de limão, a marmelada resulta clara, é a tal marmelada "branca". Se se usar uma faca de ferro, daquelas antigas que enferrujam e só se adicionar o sumo de limão lá mais para o fim, então a marmelada toma uma cor vermelha escura, quase cor de goiabada. Como se fazia muita marmelada, duas panelas cheias, fazia-se uma de cada espécie.</em><br /><em>O processo era calmo e pacífico até à adição do açúcar: os quartos de marmelo, mal cobertos de água, eram postos a fervinhar longamente até estarem desfeitos numa espécie de puré rosado ou avermelhado, conforme se disse acima. A aventura iniciava-se então!</em><br /><em>Assim que o açúcar entrava em cena, a panela que até então se poderia ter parecido com uma panela de sopa de legumes, transfigurava-se numa caldeira de vulcão em fúria, emitindo umas gigantescas bolhas que rebentavam com um som de balão de pastilha elástica e projectavam a primeira marmelada fervente para onde calhasse. E este "onde calhasse" era mesmo literal: a cozinha familiar era salpicada até ao tecto pela peganhenta massa que saltava cada vez mais à medida que se aproximava do ponto, por entre as idas ao fogão da minha mãe, forrada de panos como uma berbére do deserto, para evitar as queimaduras. Nós, os miúdos, por segurança, ficávamos à porta, maravilhados com a abominável retorta onde nascia a marmelada do ano.</em><br /><em>No fim era vê-la a deslizar para as tijelas que, tapadas com papel vegetal, iriam orlar os armários da cozinha, lá junto ao tecto, durante muitos meses.</em><br /><em>A geleia era feita fervendo em água, demoradamente, os ingredientes. Depois essa água era filtrada e clarificada com claras de ovo, pesada e adicionada do seu peso mais metade de açúcar e do sumo de limão. Fervia um pouco e era enfrascar assim a ferver.</em><br /><br /><strong>Nota:</strong><br /><br /><em>As recordações que descrevi, correspondem ao tempo das minhas primeiras lembranças. Depois, num ano malvado que não recordo, os marmelos chegaram acompanhados de uma nova receita-novidade: marmelada feita "a seco", sem dramas nem salpicos, tudo a passar-se num quartito de hora dentro de uma panela de pressão. O sabor era realmente o mesmo, os métodos para o claro-escuro e as quantidades também - chegou o prático e venceu - perdeu-se a magia e o encanto.</em><br /><em>Claro que eu também nunca cheguei a fazer marmelada assim, mas de cada vez que ponho os cubos de marmelo na panela de pressão, não posso deixar de sorrir e pensar que ali dentro se irá passar a imensa "bodega" das marmeladas da minha infância.</em>Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-62042146077332394202008-09-12T14:48:00.004+01:002008-09-12T15:27:17.151+01:00CONVITE PARA JANTARQue poderá encontrar <a href="http://outrascomidas.blogspot.com/">aqui ao lado, no Outras Comidas</a>.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-10576715644209219992008-09-07T22:14:00.004+01:002008-09-07T22:54:46.286+01:00A Chanfana do Manuel Júlio<em>Há muitos anos, eu pertenci, por direito profissional, ao grupo heterogéneo dos “viajantes” - vendedores, comissionistas, delegados de propaganda médica, camionistas - na verdade variedades mais ou menos engravatadas de vagabundos da estrada que se encontravam, à hora de almoço, em locais de celebração bem determinados e fortemente ritualizados, os restaurantes de beira de estrada, cuja liturgia era de algum modo impermeável a quem não pertencia àquele clã. </em><br /><em>Era vulgar que a certo dia da semana, determinado restaurante fosse literalmente assaltado por hordas famintas que, informadas por um curioso correio de passa-palavra, iam ao Cozido, à Feijoada ou ao Cabrito!<br />Poucos quilómetros acima de Coimbra e a faltar ainda outros tantos para a Mealhada, fica um lugarejo que em nada se distinguia de tantos outros, Santa Luzia. Ali, no meio de incaracterísticas unidades industriais, uma bomba de gasolina, algumas casas e mais um rodízio brasileiro franchising, tudo a nascer ao comprido, lado a lado com a E.N.1, ficava o Restaurante Manuel Júlio, lugar mítico onde, a certo dia da semana que já não recordo, se podia comer esse prato emblemático da cozinha da Beira Litoral, que localmente era chamada Lampantana de Cabra e que é normalmente conhecido por Chanfana.,<br />Ao contrário da chanfana da vizinha Coimbra, feita com borrego, esta era feita ao modo beirão, com cabra adulta e rija, a precisar uma noite inteira de forno, a fervinhar tapada na caçoila de barro preto de Molelos, coberta pelo bom vinho tinto da Bairrada.<br />Era o próprio Manuel Júlio que preparava o grande forno de pão onde depois metia com uma pá, um a um, as dezenas de tachos preparados por sua mulher e que fariam a delícia de quem os almoçasse no dia seguinte. É dele, há muito falecido, a receita que aqui fica, agora que o velho Restaurante Manuel Júlio, doente de tanta fama, percorreu a via-sacra do crescimento, da industrialização, da modernidade e da normalização. Tornou-se por certo um bom negócio, mas, infelizmente, perdeu a chama do fogo a lenha e que tornava inesquecível a chanfana do Manuel Júlio.<br />A maneira de prová-la hoje é fazê-la. Assim:<br /></em><br /><strong>Ingredientes:</strong><br /><br />1 Kg de carne da perna de cabra adulta<br />1 Kg de costela de cabra adulta<br />100g de toucinho em tiras finas<br />1 Colher de sopa de banha<br />1 litro de vinho tinto da Bairrada (+ ou -)<br />1 Colher de chá de colorau<br />1 copo de azeite ( 125 ml)<br />2 cebolas médias<br />5 dentes de alho<br />5 cravinhos<br />1 ramo de salsa<br />1 folha de louro<br />Sal e pimenta<br /><br /><strong>Preparação:<br /></strong><br />Desosse a carne da perna e corte em pedaços grandes. Deixe os ossos das costelas.<br />Esmague os alhos grosseiramente, corte as cebolas em rodelas, misture todos os ingredientes indicados excepto o vinho e ponha num tacho de barro. Deixe por uma hora. Entretanto, aqueça o forno ao máximo.<br />Cubra a carne com o vinho, tape e ponha no forno muito quente durante uma hora. Reduza então o calor para brando/médio (160ºC) e deixe mais 3-4 horas, juntando mais vinho, aos poucos, conforme vai precisando.<br />Sirva com batatas cozidas, temperadas no prato com o molho da chanfana, e alguma verdura cozida, a gosto (os grelos de nabo ficam muito bem).Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-62712716432399472262008-08-18T16:07:00.001+01:002008-08-18T16:13:40.134+01:00Ovos à Infinito<em>O Jorge Almeida Lopes era há muitos anos um jovem que foi capaz de sonhar para si próprio uma vida de aventura em corte com os “burocratas” do Sistema que então se lhe afigurava castrador e asfixiante. Era o Jorginho, , que nessa altura da vida em que todos os sonhos são ainda possíveis, um nome só chegava bem e Lopes era o doutor seu pai!<br />O sonho do Jorginho era bebido nos poéticos e heróicos relatos de navegadores lendários, Slocum, Eric Tabarly, Bernard Moitissier e tantos outros que o chamavam dos longínquos e quentes mares do Sul ou do gélido Spitzberg para uma aventura que era então certa como um fado, a bordo de uma nave mil vezes planeada e algumas vezes mesmo construída, que teria por nome a grandeza do próprio sonho: Infinito!<br />Entre Fontanelas e o Magoito partilhámos uma casa de fim de semana que serviu de estaleiro naval para a construção de uma dessas embarcações, o Infinito II, laboriosamente nascido do aço e da ferrugem, numa altura em que outro metal, o chamado “vil” estava já ele também em campo, disposto a mostrar quem manda realmente nos sonhos da gente adulta.<br />Em cada Sábado ao jantar, à vez, cada membro da pequena comunidade constituída por ele, pela sua companheira Inês, por mim e pela Maria José, apresentava uma ementa por si confeccionada e comida pela comunidade, num jogo mensal que levávamos a sério q.b., com algumas batotas de maternas ajudas pelo meio.<br />Quando chegava a vez do Jorge, cozinheiro execrável mas com uma vergonha de “cão”, a ementa era sempre a mesma, apesar do resultado apresentado ser por demais variável: Ovos à Infinito.<br /><br />Hoje, tornado ele próprio no “doutor” Almeida Lopes, próspero de uma vida dedicada aos negócios das drogas, dificilmente o Jorge se lembrará dos Ovos à Infinito. Eu faço-os todas as férias, quando só temos uma frigideira como trem de cozinha e me sabe bem lembrar que, tal como o Jorginho, também eu tive um dia sonhos que me pareceram tão belos e ilimitados como o Mar.<br /></em><br /><strong>Ingredientes:<br /></strong><br />Algumas Cebolas<br />Alguns Tomates maduros<br />Alguns Alhos<br />Sal e pimenta<br />Mais qualquer coisa que se queira<br />Uns Ovos<br />Óleo Alimentar ou outra gordura para fritar<br />Pão ou um pacote de batatas fritas. <br /><br /><strong>Preparação:<br /></strong><br />Fritam-se todos os ingredientes e junta-se no fim os ovos batidos com sal e pimenta. Come-se com pão ou usando as batatas fritas como improvisado garfo.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-32989216144751611462008-07-06T15:42:00.000+01:002008-07-06T15:43:18.598+01:00As Farinheiras da Tia Lucinda<em>Quando eu era miúdo tinha sempre essa benesse que hoje parece espantosa de quase quatro meses de férias. As aulas acabavam a 9 de Junho e só recomeçavam a 6 de Outubro. Era a festa das Férias Grandes, a começarem na Primavera e a terminarem no Outono!<br />Como o meu pai só tinha um mês, como toda a gente que trabalhava, normalmente o de Agosto, a miudagem partia logo para Armação de Pêra na companhia da Tia Lucinda, na realidade tia-avó e que vivia connosco, os meus pais iam lá ter em Agosto e depois passávamos o Setembro já na casa de Magoito.<br />Não é fácil imaginar o que eram umas férias no Algarve no início dos anos 60. Em Armação de Pêra, sítio apenas conhecido de alguns iniciados e que não era mencionado em muitos mapas, não havia na altura um único estabelecimento onde se pudesse dormir, nem farmácia, nem gasolina, havia um restaurante de praia, do Sr. Serol, um bar de praia, do Alvarinho, e se fosse preciso médico, chamava-se o Dr. Joãozinho, de Alcantarilha. Nós ficávamos numa casa de pescadores na Rua do Mar, cujo fim era a areia da praia e cujos donos se mudavam para as barracas das redes de pesca, durante os meses de Verão.<br />Em Setembro vinha a altura do mar forte e água fria do Magoito, a enrijar as carnes amolecidas dos calores algarvios. Depois da aventura do Algarve selvagem o Magoito era algo de diferente mas nem por isso muito mais civilizado. Sem estrada alcatroada, sem abastecimento de água e, a princípio, nem electricidade, esta aldeia quase às portas da capital era bem o exemplo do abandono a que o mundo rural estava votado naquela altura.<br />Mas para nós era um paraíso e, graças às eternas manhãs de nevoeiro daquela costa, havia todos os anos uma empresa fantástica, levada a cabo pela Tia Lucinda e colaborada por todos nós, os miúdos, e pelos amigos mais próximos a quem era concedido o privilégio de ajudar: O fabrico das Farinheiras da Tia Lucinda!<br />Viúva de um marinheiro que sempre acompanhou, a Tia Lucinda transportava consigo uma imensa bagagem adquirida pelos cantos do mundo onde viveu e, uma das muitíssimas coisas estranhas que sabia fazer era farinheiras. E especiais! Feitas em cada Verão, no Magoito, estas farinheiras duravam todo o ano, perfumando com o seu fumo a chaminé da casa de Lisboa, assim transfigurada como se de alguma casa rural se tratasse.<br />De sabor intenso e ácido, defumadas com louro e oliveira, são um dos sabores mais marcantes da minha memória de infância e faziam-se assim:<br /></em><br /><strong>Ingredientes:<br /></strong><br />750g de Farinha de Trigo grossa<br />250g de Farinha de Milho<br />1 chávena de Banha de Porco derretida<br />4 colheres de sopa de Pimentão Doce<br />2 colheres de sopa de Massa de Pimentão<br />6 dentes de Alho, bem esmagados<br />Sumo de 2 Laranjas<br />1 golpe de Vinagre<br />Sal e Pimenta<br />Água<br />Tripa seca para enchidos<br /><br /><strong>Preparação:</strong><br /><br />Misture num alguidar todos os ingredientes com a água necessária para que fique uma pasta mole, com a consistência de um polme grosso. Encha a tripa, previamente demolhada, de modo a ficar cheia só em dois terços do comprimento, vá atando as farinheiras com cordel, dobre e volte a atar os cordéis de cada ponta, um ao outro, fazendo assim a ferradura característica deste enchido.<br />Lave as farinheiras de algum resto que tenha ficado aderente por fora e pendure-as num pau, alinhadas mas não encostadas umas às outras. Faça um lume de carvão num sítio abrigado, pendure o pau das farinheiras sobre este lume mas afastado de modo a que não possam cozer, e ponha sobre as brasas ramos de loureiro molhados de modo a produzir bastante fumo, mas nunca chama, pelo que deverá ser uma operação vigiada em permanência. Após 2 ou 3 dias de fumo (ao todo 5-6 horas), as farinheiras podem acabar de secar ao Sol. Quando estiverem com a consistência correcta, esfregam-se com azeite e guardam-se até um ano. Se não quiser que acabem por secar demais pode congelá-las.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-4395242758061279569.post-26227904148114266242008-06-17T00:55:00.000+01:002008-06-17T00:58:16.763+01:00Meias Desfeitas<em>A Meia Desfeita era a maneira de comer o bacalhau com grão na estação quente. Talvez por ser um prato mais morno e aparentado com as saladas, nem que fosse no aspecto, o certo é que, trazia consigo essa mensagem implícita: estamos em férias!<br />Isto não quer dizer que não se fizesse Meia Desfeita no Inverno, mas a verdade é que havia uma outra versão para o tempo frio o que, realmente queria dizer que havia, não uma mas duas Meias Desfeitas,<br />É destes dois pratos aparentados e que partilham o mesmo meio-nome que aqui vos deixo memória inteira:<br /></em><br /><strong><em>Meia Desfeita de Verão</em></strong> – <strong>Ingredientes (por pessoa)<br /></strong><br />1 Posta de Bacalhau demolhado<br />1 Batata média<br />100g de Grão-de-bico seco<br />1 Ovo cozido<br />1 Dente de Alho<br />2 Colheres de sopa de cebola picada com salsa<br />Azeite e Vinagre<br />Sal e pimenta<br /><br /><strong>Preparação:<br /></strong><br />Coza o grão, previamente demolhado durante pelo menos 12 horas, em panela normal, com sal, azeite, louro e um fio de azeite. Ponha as postas de bacalhau numa panela e cubra com água fria temperada de sal. Acenda o lume e quando começar a borbulhar ligeiramente, mas sem ferver em cachão, apague, deixe ficar o bacalhau mais um minuto dentro da água e retire-o. Reserve.<br />Aproveite a água do bacalhau e coza nela as batatas com casca e os ovos.<br />Retire as espinhas ao bacalhau bem como a pele, a menos que tenha a certeza que todos os comensais gostam dela, desfaça em lascas, à mão, para um tijelão. Parta então as batatas e os ovos cozidos sobre o bacalhau e por fim o grão.<br />Tempere com azeite virgem, vinagre de vinho, alho cortado em fatias, cebola picada com salsa e, por fim pimenta branca moída na altura. Envolva bem e passe para a travessa de ir à mesa.<br /><br /><strong><em>Meia Desfeita de Inverno –</em> Ingredientes (por pessoa):</strong><br /><br />1 Posta de Bacalhau demolhado<br />100g de Grão-de-bico seco<br />1 Ovo cozido<br />1 Dente de Alho<br />1 Cebola<br />Salsa<br />Azeite<br />Vinagre<br />Sal e pimenta<br /><br /><strong>Preparação:<br /></strong><br />Coza e prepare o bacalhau e o grão como foi dito anteriormente e misture-os bem.<br />Tempere com pimenta e ponha esta mistura num tabuleiro de barro.<br />Pique os alhos e corte as cebolas às rodelas e aloure-os em azeite abundante. Regue a mistura de bacalhau e grão com este azeite e espalhe a cebola por cima.<br />Leve a forno bem quente durante uns minutos, tirando quando o azeite começar a borbulhar audivelmente. Salpique com uns golpes de vinagre, disponha os ovos cozidos, às rodelas, por cima e enfeite com salsa picada.<br />Sirva de “alto a baixo” de modo a que todos fiquem com ovo e cebola.Luís Ponteshttp://www.blogger.com/profile/15414944655752225273noreply@blogger.com9