Não há figos como os de Marrocos!
Há muitos anos, ainda no tempo das viagens de mochila, fui com a Maria José até Marrocos. Éramos ambos bem jovens nessa altura e as finanças jovens só permitiam ficar pela borda Norte do país, Tânger, Tetouan, sair pela espanhola Ceuta.
Era Verão e Marrocos é, nessa altura, uma incrível paleta de cores, cheiros e aromas, a despertar apetites urgentes pelas novidades estivais: tâmaras, figos, açafrões, chás, óleos preciosos, tudo se nos ia oferecendo, à compra e ao palato, numa sucessão rápida, regateio após regateio.
No terceiro dia de Tânger, muitos figos entretanto comidos sem lavar, deu-se a catástrofe: fui acometido por uma gastroenterite que me deixou com, além dos sintomas digestivos habituais, uma febre de 40ºC!
Sem sabermos o que fazer, eu delirava no meio da febre, a Maria José foi pedir auxílio no pequeno hotel onde estávamos e, daí a pouco, chegava o médico!
E que médico!
Era um homenzinho sujo que falava francês ainda pior do que eu, com uma maleta que parecia saída de um caixote de lixo.
Sem mais, abre a sua caixinha de Pandora e tira uma seringa e uma saqueta de Aspegic, das orais, que tinha dentro um pó já acastanhado e que se preparava para me injectar, dissolvido num líquido qualquer que vinha num frasquinho.
Lúcido suficiente para perceber que se aproximava a minha hora, não pela gastroenterite mas pela abominável injecção, mas fraco demais para conseguir reagir fisicamente, reuni tudo o que me restava para lhe dizer que não queria um remédio para a febre mas para a doença.
Balbuciei, no meio do delírio, apontando para a saqueta de Aspegic estragado: - “Je suis alergique, j’ai mangé beaucoup de figues”.
Então, perante os meus olhos atónitos, o curandeiro começou a contorcer-se em esgares, um dedo sobre a boca no universal gesto de pedir silêncio, o polegar da outra mão a apontar disfarçadamente para a Maria José, que estava atrás dele.
- J’ai mangé beaucoup de figues , repeti perante as contorções aflitas do "doutor", que aumentaram de intensidade e intenção. “Non, non”, dizia para mim, numa aflição e depois para a Maria José, lá atrás, “il délire, il délire!”.
A Maria José, que não estava a perceber nada daquilo, lá lhe confirmou as prodigiosas quantidades de maravilhosos figos que eu tinha comido e então, de repente, de novo uma mudança total: descontraiu e passou a rir muito, parecia outro. Acabou por passar uma receita de algo que nunca se chegou a aviar e, ao despedir-se, segredou-me que tinha percebido que eu dizia “J’ai mangé beaucoup de filles” ali, à frente da minha mulher.
Acabei por curar-me com um antibiótico que venderam à Maria José, numa farmácia, e no dia seguinte, já estava na rua, de novo e a comer estes deliciosos figos que, frescos, meio passados ou secos, fazem parte integrante e imprescindível da cozinha marroquina. Sobremesas, tajines, compotas, acompanhamentos, tudo leva estes frutos do Mediterrâneo e do deserto.
Um dos pratos emblemáticos e imperdíveis da cozinha de Marrocos é a deliciosa Tajine de Carneiro e Figos, uma experiência gastronómica única e que não mais se esquece.
Ingredientes:
1,5-2 kg de carne de carneiro, perna e costela
500g de figos secos
2 Cebolas picadas
1 ramo de Coentros
1 colher de sopa de sementes de coentro
½ colher de gengibre em pó
½ colher de pimenta preta
½ colher de Curcuma
½ colher de canela moída
4 colheres de sopa de óleo de Argão (ou Azeite)
Sal q.b.
Preparação:
Ponha a carne, a cebola, a gordura e todos os temperos numa panela, cubra com água e deixe cozer durante 90 minutos.
Lave os figos e coza-os em vapor durante 10 minutos.
Sirva os figos sobre a tajine quente.
Nota: Este prato tradicional é acompanhado por chá de menta e, por vezes, com cuscuz cozido em vapor.
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4 comentários:
Adorei ler esta sua memória até porque sou uma apaixonada por relatos de viagens e pelas viagens em si e por isso é sempre bom encontrar um blog que nos transmita histórias como esta e que depois as relacione com esta ou aquela receita.
Fantástico.
Mas que história deliciosa, Luís, já me ri e tudo...
Tenho de confessar que não gosto de figos, embora os ache bem lindos.
Era ou não era 1 desperdício ter fechado este espaço???
Beijos.
O que eu já me ri. O senhor achou que tu eras levado da breca com as garinas he he
Eu também gosto muito de figos, sejam frescos ou secos!
Luís,
Esta receita tenho mesmo, mesmo que fazer... Não sou grande apreciadora de carneiro, mas acho que não será crime fazê-la com borrego.
bjs
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