Hoje seria talvez considerado como alguma espécie de assédio profissional ou procedimento eticamente suspeito, mas durante os anos da minha infância era perfeitamente comum o recebimento de ofertas em géneros por parte de pessoas que, eventualmente, tinham para connosco, além da amizade, algum vínculo de subordinação laboral.
O meu pai chefiava uma grande equipa de homens, espalhados por todo o país e nas então “províncias ultramarinas” e, numa altura em que era normal que um trabalho fosse para toda a vida, desenvolveu com muitos desses subordinados, relações de verdadeira e profunda amizade.
Ao longo do ano, esses amigos que trabalhavam na província traduziam a sua amizade por envios a que nos habituámos: as Morcelas da Guarda, enviadas por um tal Sousa, trutas de conserva de Aveiro e Doces de Ovos da Pastelaria Horta, para os “meninos”, do Laranjeira, de Viseu, Castanhas, Uvas e Peros Bravo de Esmolfe, pelo Taveira da Rocha, de Carrazedo de Montenegro, Presunto de Chaves, queijos e vinhos especialíssimos, broas de proporções bíblicas…
Tal como eu (1955), também o meu pai nasceu em ano de Porto Vintage 1922.
Quando, em 1972, completou meio século de existência, recebeu uma prenda de anos assaz curiosa: Um garrafão de cinco litros de Vinho do Porto.
Esse garrafão chegou lá a casa via CP, sem marca e com uma nota que dizia algo como”…ao amigo Pontes, um vinho do Porto do seu ano de nascimento, parabéns, etc…” e era enviado por um grupo de colegas do Norte.
Pouco dados a estas subtilezas, lá em casa ninguém estranhou ter recebido um garrafão assim sem marca, a coisa era banal, todos provámos o vinho que era algo de verdadeiramente assombroso, com a inocência da ignorância, pôs-se um tanto numa licoreira e o resto foi guardado na despensa.
Durante os anos seguintes, sempre que era preciso a minha mãe lá ia buscar tempero para bolos, assados, guisados, sei lá, até que acabou por acabar o tal Porto Com a Idade do Pai !
Anos depois, eu já homem feito, em conversa com o tal Taveira da Rocha, soube que aquele garrafão era um Porto que ele próprio tinha descoberto, em pipa ainda, numa adega particular, perdida no Douro. Era, além do vintage de 1922, envelhecido no carvalho por 50 anos e o preço foi tal que teve de ser dividido por muitos…
Eu consegui disfarçar o embaraço provocado pela revelação e, ainda hoje, não consigo perceber se tenho vergonha pela tolice ou orgulho pacóvio por ser, seguramente, o único ser humano que comeu alegremente, filhós temperadas com um Vintage de 50 anos!
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quinta-feira, 13 de novembro de 2008
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