sábado, 13 de dezembro de 2008

EPÍLOGO

O Comidas Caseiras completa hoje o seu ano de existência!

Como livro de memórias que quis ser, e foi, teve o tamanho da memória que o sustentou e agora, naturalmente, chegou ao fim.

A todos os que, lendo-me, me acompanharam com o vosso apoio, comentários, críticas e amizade, o meu sincero agradecimento.

Deixarei o blog inactivo a partir de hoje, mas on-line por mais alguns meses, de modo a servir quem assim quiser.
Entretanto continuarei convosco atraves do "outras comidas".

Obrigado

FIM

O JANTAR DE NATAL

Mais do que estritamente pessoal, o Natal é uma aquisição da tradição familiar.
Construída de geração em geração, sempre evoluindo, esta tradição torna-se num emblema que, de algum modo, define aquela família.

Na minha família, como em todas as outras, temos o “nosso” Natal!

O dia 24 de Dezembro é privado de cada célula familiar mais pequena: em minha casa é um dia que começa logo de manhã com a preparação das diversas vitualhas que serão consumidas nesse dia e no seguinte: é tempo de acabar o dessalar do bacalhau, preparar as couves que o acompanharão à Consoada, rechear figos secos com nozes e amêndoas, por sua vez também descascadas na altura, cozer a abóbora para ter tempo escorrer, pôr o peru de molho com limão e laranja, embrulhar algum presente retardatário e pô-lo junto à árvore de Natal.

Com alguma pequena pausa para ver pela décima vez um Cirque du Soleil que a televisão teima em repetir a cada Natal, mas que se vê sempre com o mesmo prazer infantil, depressa chega a hora em que vai para o lume o Bacalhau da Consoada.

Ingredientes (por pessoa):

2 ovos
4 batatas médias
1 cebola
1 cenoura
Couve Portuguesa
Sal
2 postas de Bacalhau
Pimenta, alho e salsa, muito picados
Azeite extra-virgem e Vinagre de Vinho

Preparação:

Coza em água e sal os cinco primeiros ingredientes.
Introduza então, por cima, as postas de bacalhau e leve de novo ao lume.
Quando começar a levantar fervura, baixe o lume para o mínimo, de modo a que a fervura quase pare, e deixe assim por cinco minutos. Apague o lume e deixe tapado por mais cinco.

Tempere no prato com pimenta, alho e salsa, azeite e vinagre.

Entre a Consoada e a meia-noite é o reino dos doces!

Altura para as grandes fritadas natalícias: as Filhoses de Abóbora, os Sonhos, Coscorões, Rabanadas, Biscoitos da Gina, juntam-e ao Bolo Rei, de compra, ao Arroz Doce, às vezes Aletria, aos Pinhões, Tâmaras, Figos, Amêndoas, Broas Castelar, Passas, tudo o que, supostamente será consumido com Cacau Quente à meia-noite, depois das prendas, mas que fica sempre, intacto, para o dia seguinte.

No dia 25, ainda em minha casa, bem cedo, a família almoça Roupa Velha.

Ingredientes:

Sobras da Consoada ( Bacalhau, Batatas, Couve, Ovo)
Alho em fatias
Azeite
Pimenta

Preparação:

Frite o alho em azeite numa frigideira grande até começar a alourar.
Junte as sobras (que se fizeram sobrar, claro, por isso 2 postas por pessoa!), partidas em pedaços e o peixe sem espinhas, envolva e deixe fritar em lume forte, voltando amiúde. Tempere com pimenta e sirva bem quente.

Depois do almoço começa o Natal da família alargada: é a partida para a casa dos meus pais, onde as várias famílias que nela nasceram se reúnem, uma vez por ano, para o Jantar de Natal.

Aqui, as tarefas são divididas: Como somos três, os irmãos, cada um dedica-se a uma parte do jantar; eu fico com o peru recheado, a minha irmã Teresa com os peixes e mariscos e a Isabel com tudo o que é doce.

Fazer o peru é algo que começou já dois dias antes, em minha casa, com a mortificação em água e sal e sumo de citrinos e com a preparação do recheio, de que a minha família come em quantidades prodigiosas.



Ingredientes (para um peru de 7 kg):

750g de carne de vaca
500g de perna de porco
400g de fígado de porco
400g de entremeada
250g de fígado de peru
6 Salsichas frescas
2 Chouriços de carne
125g de manteiga
1 Cebola grande
1 colher de sopa de açúcar
6 dentes de Alho
Sal, pimenta, salsa picada e noz moscada
Tosta ralada, clara.
Sumo de limão

Preparação:

Coza as carnes e enchidos por uma hora, na pressão, com pouca água, de modo a obter um caldo concentrado. Passe as carnes no moínho e reserve.

Refogue a cebola e os alhos na manteiga até alourarem e passe-os com a varinha, de modo a ficarem totalmente desfeitos.

Junte as carnes passadas, junte caldo da cozedura, o açúcar e envolva. Tempere com sal, pimenta, moscada e salsa.
Leve ao lume, mexendo sempre até começar a sair exuberante vapor.
Junte então tosta ralada, da mais clara, ou miolo de pão duro, e ligue o conjunto que deve ficar com uma consistência menos ligada e mais mole que picado para croquetes. No fim regue com sumo de limão e envolva bem.

Rechear um peru é, principalmente, um trabalho cirúrgico. Depois de encher completamente o interior do bicho, quer pela abertura abdominal, quer o “papo”, há que coser, pacientemente, todas as saídas, com auxílio de agulha cirúrgica e fio de algodão cru, usando retalhos suplementares de pele (costumo esfolar uma perna de peru, tempos antes, e guardar congelada a pele), pois é raro que a pele venha completa.

Depois é barrar todo o animal com uma mistura de margarina, sumo de limão, sal, alho em pó, pimenta e colorau, e pô-lo no forno até às 16.30, para comer às 9h.

A assadura começa por 15 minutos de forno muito quente (230ºC) passando depois para 4 horas de forno mínimo (130ºC) e um final de 15 minutos a 200ºC, para terminar o tostado da pele. Durante todo o processo o peru nunca deve ser espetado, de modo a não perder os sucos internos.

Tradicionalmente é acompanhado de Arroz Papal, uma espécie de arroz de manteiga que a minha irmã Teresa faz de maneira superior; visto de fora pode parecer apenas arroz muito cozido, mas na verdade é um sabor imprescindível ao nosso Natal familiar.

Tudo o resto é tradição, desde o sermos muitos, de todos os anos haver novidades quanto a novas presenças ou ausências, os peixes e mariscos da Teresa, as “babas” e “bavaroises” da Isabel, a algazarra geral, a segunda troca de prendas, depois a debandada até para o ano que vem, no Jantar de Natal!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A Alma da Trindade

Cada um tinha, sobre ele, ouvido uma história diferente: era um Conde arruinado que bebia para esquecer os faustos passados, era empregado numa livraria da Baixa e sofria de antigo amor infeliz, era alfarrabista ali mesmo no Carmo, mas eu, (na altura, batia todos os alfarrabistas do Bairro e arredores) nunca o vi em nenhum.
Certo, certo, era encontrá-lo, noite após noite, ano após ano, solitário na primeira mesa da Cervejaria da Trindade, com as longas barbas que foram passando do negro ao branco, primeiro salpicado, depois total, bebendo Sagres Preta, 3 garrafas de cada vez, que para ele a medida para a cerveja era o litro!
Nunca lhe soubemos o nome e era, para nós, o Barbas! Chegava cedo e bebia devagar, sempre só; no fim da noite, pagava e saía sem uma palavra, triste, deixando atrás de si a mesa repleta, onde já não cabiam mais “troféus”…. até amanhã…

Depois, num ano qualquer, todos percebemos que mudança maior se fazia: o Barbas alquebrou-se numa agonia sem fim e mesmo assim teimava em cumprir a sua própria lenda até ao dia em que não apareceu. Morreu! Dizem que morreu…

A Trindade morreu com ele.

Não se iludam os que pensam que a viram, viva e de boa saúde, ainda um dia destes, ou comeram lá um bife com um belo molhinho, pelo qual pagaram os olhos da cara, antes de serem enxotados como cães por uns empregados mal-encarados, que aquilo agora pertence à Portugália e não é para fazer sala!
Esta é a Trindade de hoje, até se pode “lá” ir sem passar pelo Inferno de estacionar no Bairro: sim, já se reproduziu, como a “mãe” Portugália e tem uma infame "filha" numa loja do Campo Pequeno.

A outra de que vos falo, a do Barbas, era uma cervejaria de Lisboa, para os lisboetas.

Não fazia parte de nenhum roteiro de agência de viagens; claro que dos velhos empregados que nós conhecíamos pelo nome – o Vicente era guarda-freios da Carris e fazia ali um biscate, todas as noites, com uns bigodes de meio metro – nenhum sonhava em saber falar inglês, o que, aliás, também era totalmente inútil: quem ia à Trindade era porque queria comer um bife com aquele incrível e inimitável molho e uma caneca, e para isso qualquer língua serve.

Se, ao menos, o molho tivesse sobrevivido…

Quando o bife custava vinte e cinco escudos (12,5cents!), mais vinte e cinco tostões se fosse com ovo, nós sempre apertados com as nossas magras mesadas estudantis, fazíamos a festa com uma “molheira”, batatas fritas, pão e uma imperial, tudo nem chegava a 10$00! E que festa! Perante aquele molho quem queria carne? Estava ali tudo o que importava. O Vicente, mal nos via, trazia logo a bebida, sem perguntar nada, depois era só saber se o molho era com carne…. ou sem!

O molho que hoje acompanha os maus bifes da Trindade é uma orgiazeca de gordura e Maizena com um sabor arrepiante a coisa instantânea, feito a metro e despejado por cima.
A Trindade perdeu a alma, ficou o zombie, foi-se o espírito.

Fico às vezes a pensar se, como num filme de terror de série B, o velho Barbas, ou Conde, alfarrabista ou livreiro triste, era afinal a alma da Trindade, entristecida por vislumbrar o seu pobre futuro. Porque, como é sabido, as almas tudo sabem…

Durante muitos anos, eu e outros amigos da velha Trindade, fomos experimentando em tentativas sem fim, pelo método infalível do erro corrigido, emular o molho da Trindade, o antigo claro. Com algumas dicas “assopradas” ao ouvido pelo Vicente, entre duas imperiais, conseguimos o que aqui fica e que é, seguramente, a melhor aproximação ao desaparecido “melhor molho de bifes do mundo”:

Ingredientes:

1 Kg de bifes de novilho
250g de Manteiga
2 colheres de sopa de Banha
2 colheres de sopa de alho esmagado (ou massa de alho)
2 folhas de louro
2 colheres de sopa de condimento de mostarda vulgar (não de Dijon)
1 Imperial Sagres (ou uma Mini)
1 café forte (bica)
1 pacote de natas (200ml)
3 gemas
Sal e pimenta

Preparação:

Bata os bifes com o martelo apropriado, deixando-os finos (isto é um bife de “cervejaria”). Tempere com um pouco de pimenta e sal, de um lado, e frite-os rapidamente em banha e lume forte, dos dois lados. Reserve.

Leve ao lume 125g da manteiga, a banha e o alho, até que fique castanha ( cor de couro) mas sem queimar. Adicione então a restante manteiga, o louro e a mostarda e deixe ferver, mexendo sempre com as varas. Ponha então a cerveja e deixe ferver cinco minutos para ter a certeza que evaporou o álcool antes de juntar as natas onde previamente bateu as gemas e a bica. Toda a operação é feita mexendo sempre com as varas, melhor duas pessoas.
Leve de novo ao lume, mexendo para homogeneizar, prove e tempere de sal e pimenta.
Junte os bifes e deixe que acabem de passar no molho, que os deve cobrir.

Sirva em frigideiras de barro ( ou de metal, como na Trindade), com um ovo estrelado em cima, nadando em molho e com batatas fritas em palitos finos, à parte.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Porto Vintage

Hoje seria talvez considerado como alguma espécie de assédio profissional ou procedimento eticamente suspeito, mas durante os anos da minha infância era perfeitamente comum o recebimento de ofertas em géneros por parte de pessoas que, eventualmente, tinham para connosco, além da amizade, algum vínculo de subordinação laboral.
O meu pai chefiava uma grande equipa de homens, espalhados por todo o país e nas então “províncias ultramarinas” e, numa altura em que era normal que um trabalho fosse para toda a vida, desenvolveu com muitos desses subordinados, relações de verdadeira e profunda amizade.
Ao longo do ano, esses amigos que trabalhavam na província traduziam a sua amizade por envios a que nos habituámos: as Morcelas da Guarda, enviadas por um tal Sousa, trutas de conserva de Aveiro e Doces de Ovos da Pastelaria Horta, para os “meninos”, do Laranjeira, de Viseu, Castanhas, Uvas e Peros Bravo de Esmolfe, pelo Taveira da Rocha, de Carrazedo de Montenegro, Presunto de Chaves, queijos e vinhos especialíssimos, broas de proporções bíblicas…

Tal como eu (1955), também o meu pai nasceu em ano de Porto Vintage 1922.
Quando, em 1972, completou meio século de existência, recebeu uma prenda de anos assaz curiosa: Um garrafão de cinco litros de Vinho do Porto.
Esse garrafão chegou lá a casa via CP, sem marca e com uma nota que dizia algo como”…ao amigo Pontes, um vinho do Porto do seu ano de nascimento, parabéns, etc…” e era enviado por um grupo de colegas do Norte.

Pouco dados a estas subtilezas, lá em casa ninguém estranhou ter recebido um garrafão assim sem marca, a coisa era banal, todos provámos o vinho que era algo de verdadeiramente assombroso, com a inocência da ignorância, pôs-se um tanto numa licoreira e o resto foi guardado na despensa.
Durante os anos seguintes, sempre que era preciso a minha mãe lá ia buscar tempero para bolos, assados, guisados, sei lá, até que acabou por acabar o tal Porto Com a Idade do Pai !

Anos depois, eu já homem feito, em conversa com o tal Taveira da Rocha, soube que aquele garrafão era um Porto que ele próprio tinha descoberto, em pipa ainda, numa adega particular, perdida no Douro. Era, além do vintage de 1922, envelhecido no carvalho por 50 anos e o preço foi tal que teve de ser dividido por muitos…
Eu consegui disfarçar o embaraço provocado pela revelação e, ainda hoje, não consigo perceber se tenho vergonha pela tolice ou orgulho pacóvio por ser, seguramente, o único ser humano que comeu alegremente, filhós temperadas com um Vintage de 50 anos!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Os Frangos do Senhor Sabino

Ir comer frango de churrasco ao Sr. Sabino era um saber iniciático que chegou lá a casa, nunca cheguei a apurar como.
Penso que teria sido segredado ao meu pai em conversa de pescarias, suspeito por quem, mas a verdade verdade, é que nunca tive a certeza.
É que o "Sabino" era um local improvável e totalmente fora-da-lei e o próprio, pasme-se, suplicava aos clientes que nunca divulgassem a sua existência, o que ia conseguindo de forma medíocre, pois era difícil arranjar vez para um almoço ou jantar, este à luz de um velho e ruidoso "Petromax", pendurado sobre a mesa de madeira enodoada, dizia-se que era o sítio onde matava o porco...
Era essa mesa de matança e os dois bancos corridos que a serviam, que determinava a lotação máxima de cada refeição: Oito pessoas, quatro de cada lado - quanto muito podia-se ir buscar uns mochos de fórmica vermelha para as cabeceiras e lá se sentavam mais dois.
Durante o Verão, apesar do "segredo", era difícil arranjar um dia para se ir ao Sabino. Depois, com os banhistas de ocasião afastados pelo Outono e pelo fim impiedoso das férias, podíamos então desfrutar dessa experiência única que era a degustação de um frango espantoso, paradigma da simplicidade e da paciência infinita com que eram assados pelo Sr. Sabino.
Este Sr. Sabino era, ele próprio, uma personagem dificilmente descritível: pequeno de estatura e irrequieto, ele era, simultaneamente, agricultor, viticultor, comerciante, criador de gado, construtor civil, destilador ilegal da melhor "gimbrinha" da região e, last but not least, o incontestado "rei" dos frangos assados no carvão.
Isto do "rei", digo eu agora, que "reis" de uma coisa qualquer, são normalmente aqueles que, por fazerem o seu mister ou venderem o seu artigo aos milhares ou às carradas, reclamam para si próprios o nobiliárquico título, assim como se fosse um atestado de Guinness, livrinho cretino que, também ele, regista feitos, quantidades e tamanhos e, curiosamente, entre tantos milhares de "recordes", não tem um único que distinga a qualidade!
Como não podia deixar de ser, o "restaurante" Sabino, além da inexistência legal, também não se via a olho nu. Situado por baixo da casa do próprio, já não consigo precisar se em Odrinhas, se na vizinha Santa Susana, aproveitava o declive natural do terreno e abria-se por trás, a toda a largura da casa, como uma garagem, para o imenso vale que se estende até à Assafora e à Praia da Samarra, uns quilómetros mais adiante.
À porta, entre arrumos agrícolas, fardos de palha e uma fascinante montanha fumegante de bagaço a fermentar, depois de ter deixado para trás as uvas, o vinho, e a bagaceira ilegal, estava o meio-bidão ferrugento onde umas poucas brasas quase apagadas realizavam o milagre da transmutação de simples frangos, nem sei se "do campo", em peças gastronómicas únicas, ao fim de uma laboriosa assadura que durava nunca menos de quatro horas.
Quando se dá a um frango um tal "tempero", tudo o mais soa a excessivo e desnecessário. Umas pedritas de sal grosso e o tal calor doseado com usura era tudo o que o Sabino utilizava para apresentar o divino frango, sem uma única asinha mais escura, pele estaladiça, acompanhado por umas saladas de tomate ali apanhado e batatas fritas que a mulher ia fritando na cozinha, por cima, e trazendo sempre a ferver.
O vinho, só para os adultos, claro, saía directamente das grandes cubas em cimento onde tinha nascido ou já dos tonéis, ali mesmo, ao lado do secreto alambique de cobre disfarçado com sacas de cimento velhas, que a garagem-restaurante também era a adega e destilaria, pois claro!
Não faço ideia se teve continuação este "segredo" do frango do Sabino. Nem sei se descobriria de novo o local, agora enxameado de construções por todo o lado que dantes era campo.
Do frango do Sabino da minha infância e adolescência, retive a lição mais preciosa: hoje, no meu "barbecue" alentejano, construído a partir das medidas do bidão enferrujado do Sabino, faço também essa delícia a fogo mínimo e paciência máxima, uma manhã inteira a assar o almoço lá para as duas da tarde e ter como prémio o silêncio de algum conviva, daqueles que sabem um molho secreto para pincelar frangos de comida-a-peso e que, ao provarem o meu frango do Sabino ficam muito caladinhos, arregalam o olho e vão comendo... comendo...

Ingredientes:

Frango aberto, cortado em metades.
Carvão de azinho
Um pouco de sal grosso
Assador em que o fogo fique, a 40cm da grelha
Paciência

Nota:

Acenda o carvão uma hora antes de por a carne ao lume.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

As Marmeladas

Uma das últimas coisas que se fazia anualmente, mesmo antes do recomeço das aulas, que na altura acontecia a 6 de Outubro, logo a seguir ao feriado da República, era a marmelada.
Apesar das doçuras amenas que o nome evoca, a feitura da marmelada era um momento épico, só com paralelo na tomatada, de que um dia vos falarei, e no fim do qual a minha mãe jurava a pés juntos que tinha sido a última vez, que a marmelada era das coisas mais baratas que havia, que não havia marmelada que pagasse aquelas canseira e imundície!
Mas no ano seguinte alguém voltava a dar um grande cabaz de marmelos ou gamboas, e talvez porque havia na casa da minha infância um respeito quase sacralizado pelos alimentos e pelo seu aproveitamento - desperdiçava-se muita coisa, mas quando se tratava de desperdiçar comida ficávamos com uma espécie de sentimento de culpa pecaminosa que, passados todos estes anos, ainda hoje encontro em mim - lá se avançava de novo para o dia da marmelada, esquecidas as juras do ano anterior.
No dia da marmelada faziam-se realmente duas marmeladas: a "branca" e a "vermelha" e ainda a geleia de marmelo, que no Norte é chamada "mel".

Ingredientes (marmeladas):

Marmelos ou gamboas, descascados e cortados em quartos.
Açúcar branco - O mesmo peso que o fruto depois de descascado.
Sumo de 1 limão por cada quilo de marmelada, para obter a variedade de marmelada de cortar em fatia. Para a variedade de marmelada de tijela, para barrar, não se usa limão.

Ingredientes (geleia) :

Cascas, sementes e cascabulhos de marmelos ou gamboas.
Açucar
Sumo de limão

O que faz uma marmelada ficar clara ou vermelha é a faca com que se arranjam os frutos. Se se usar uma faca inox e se juntar logo o sumo de limão, a marmelada resulta clara, é a tal marmelada "branca". Se se usar uma faca de ferro, daquelas antigas que enferrujam e só se adicionar o sumo de limão lá mais para o fim, então a marmelada toma uma cor vermelha escura, quase cor de goiabada. Como se fazia muita marmelada, duas panelas cheias, fazia-se uma de cada espécie.
O processo era calmo e pacífico até à adição do açúcar: os quartos de marmelo, mal cobertos de água, eram postos a fervinhar longamente até estarem desfeitos numa espécie de puré rosado ou avermelhado, conforme se disse acima. A aventura iniciava-se então!
Assim que o açúcar entrava em cena, a panela que até então se poderia ter parecido com uma panela de sopa de legumes, transfigurava-se numa caldeira de vulcão em fúria, emitindo umas gigantescas bolhas que rebentavam com um som de balão de pastilha elástica e projectavam a primeira marmelada fervente para onde calhasse. E este "onde calhasse" era mesmo literal: a cozinha familiar era salpicada até ao tecto pela peganhenta massa que saltava cada vez mais à medida que se aproximava do ponto, por entre as idas ao fogão da minha mãe, forrada de panos como uma berbére do deserto, para evitar as queimaduras. Nós, os miúdos, por segurança, ficávamos à porta, maravilhados com a abominável retorta onde nascia a marmelada do ano.
No fim era vê-la a deslizar para as tijelas que, tapadas com papel vegetal, iriam orlar os armários da cozinha, lá junto ao tecto, durante muitos meses.
A geleia era feita fervendo em água, demoradamente, os ingredientes. Depois essa água era filtrada e clarificada com claras de ovo, pesada e adicionada do seu peso mais metade de açúcar e do sumo de limão. Fervia um pouco e era enfrascar assim a ferver.

Nota:

As recordações que descrevi, correspondem ao tempo das minhas primeiras lembranças. Depois, num ano malvado que não recordo, os marmelos chegaram acompanhados de uma nova receita-novidade: marmelada feita "a seco", sem dramas nem salpicos, tudo a passar-se num quartito de hora dentro de uma panela de pressão. O sabor era realmente o mesmo, os métodos para o claro-escuro e as quantidades também - chegou o prático e venceu - perdeu-se a magia e o encanto.
Claro que eu também nunca cheguei a fazer marmelada assim, mas de cada vez que ponho os cubos de marmelo na panela de pressão, não posso deixar de sorrir e pensar que ali dentro se irá passar a imensa "bodega" das marmeladas da minha infância.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

domingo, 7 de setembro de 2008

A Chanfana do Manuel Júlio

Há muitos anos, eu pertenci, por direito profissional, ao grupo heterogéneo dos “viajantes” - vendedores, comissionistas, delegados de propaganda médica, camionistas - na verdade variedades mais ou menos engravatadas de vagabundos da estrada que se encontravam, à hora de almoço, em locais de celebração bem determinados e fortemente ritualizados, os restaurantes de beira de estrada, cuja liturgia era de algum modo impermeável a quem não pertencia àquele clã.
Era vulgar que a certo dia da semana, determinado restaurante fosse literalmente assaltado por hordas famintas que, informadas por um curioso correio de passa-palavra, iam ao Cozido, à Feijoada ou ao Cabrito!
Poucos quilómetros acima de Coimbra e a faltar ainda outros tantos para a Mealhada, fica um lugarejo que em nada se distinguia de tantos outros, Santa Luzia. Ali, no meio de incaracterísticas unidades industriais, uma bomba de gasolina, algumas casas e mais um rodízio brasileiro franchising, tudo a nascer ao comprido, lado a lado com a E.N.1, ficava o Restaurante Manuel Júlio, lugar mítico onde, a certo dia da semana que já não recordo, se podia comer esse prato emblemático da cozinha da Beira Litoral, que localmente era chamada Lampantana de Cabra e que é normalmente conhecido por Chanfana.,
Ao contrário da chanfana da vizinha Coimbra, feita com borrego, esta era feita ao modo beirão, com cabra adulta e rija, a precisar uma noite inteira de forno, a fervinhar tapada na caçoila de barro preto de Molelos, coberta pelo bom vinho tinto da Bairrada.
Era o próprio Manuel Júlio que preparava o grande forno de pão onde depois metia com uma pá, um a um, as dezenas de tachos preparados por sua mulher e que fariam a delícia de quem os almoçasse no dia seguinte. É dele, há muito falecido, a receita que aqui fica, agora que o velho Restaurante Manuel Júlio, doente de tanta fama, percorreu a via-sacra do crescimento, da industrialização, da modernidade e da normalização. Tornou-se por certo um bom negócio, mas, infelizmente, perdeu a chama do fogo a lenha e que tornava inesquecível a chanfana do Manuel Júlio.
A maneira de prová-la hoje é fazê-la. Assim:

Ingredientes:

1 Kg de carne da perna de cabra adulta
1 Kg de costela de cabra adulta
100g de toucinho em tiras finas
1 Colher de sopa de banha
1 litro de vinho tinto da Bairrada (+ ou -)
1 Colher de chá de colorau
1 copo de azeite ( 125 ml)
2 cebolas médias
5 dentes de alho
5 cravinhos
1 ramo de salsa
1 folha de louro
Sal e pimenta

Preparação:

Desosse a carne da perna e corte em pedaços grandes. Deixe os ossos das costelas.
Esmague os alhos grosseiramente, corte as cebolas em rodelas, misture todos os ingredientes indicados excepto o vinho e ponha num tacho de barro. Deixe por uma hora. Entretanto, aqueça o forno ao máximo.
Cubra a carne com o vinho, tape e ponha no forno muito quente durante uma hora. Reduza então o calor para brando/médio (160ºC) e deixe mais 3-4 horas, juntando mais vinho, aos poucos, conforme vai precisando.
Sirva com batatas cozidas, temperadas no prato com o molho da chanfana, e alguma verdura cozida, a gosto (os grelos de nabo ficam muito bem).

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Ovos à Infinito

O Jorge Almeida Lopes era há muitos anos um jovem que foi capaz de sonhar para si próprio uma vida de aventura em corte com os “burocratas” do Sistema que então se lhe afigurava castrador e asfixiante. Era o Jorginho, , que nessa altura da vida em que todos os sonhos são ainda possíveis, um nome só chegava bem e Lopes era o doutor seu pai!
O sonho do Jorginho era bebido nos poéticos e heróicos relatos de navegadores lendários, Slocum, Eric Tabarly, Bernard Moitissier e tantos outros que o chamavam dos longínquos e quentes mares do Sul ou do gélido Spitzberg para uma aventura que era então certa como um fado, a bordo de uma nave mil vezes planeada e algumas vezes mesmo construída, que teria por nome a grandeza do próprio sonho: Infinito!
Entre Fontanelas e o Magoito partilhámos uma casa de fim de semana que serviu de estaleiro naval para a construção de uma dessas embarcações, o Infinito II, laboriosamente nascido do aço e da ferrugem, numa altura em que outro metal, o chamado “vil” estava já ele também em campo, disposto a mostrar quem manda realmente nos sonhos da gente adulta.
Em cada Sábado ao jantar, à vez, cada membro da pequena comunidade constituída por ele, pela sua companheira Inês, por mim e pela Maria José, apresentava uma ementa por si confeccionada e comida pela comunidade, num jogo mensal que levávamos a sério q.b., com algumas batotas de maternas ajudas pelo meio.
Quando chegava a vez do Jorge, cozinheiro execrável mas com uma vergonha de “cão”, a ementa era sempre a mesma, apesar do resultado apresentado ser por demais variável: Ovos à Infinito.

Hoje, tornado ele próprio no “doutor” Almeida Lopes, próspero de uma vida dedicada aos negócios das drogas, dificilmente o Jorge se lembrará dos Ovos à Infinito. Eu faço-os todas as férias, quando só temos uma frigideira como trem de cozinha e me sabe bem lembrar que, tal como o Jorginho, também eu tive um dia sonhos que me pareceram tão belos e ilimitados como o Mar.

Ingredientes:

Algumas Cebolas
Alguns Tomates maduros
Alguns Alhos
Sal e pimenta
Mais qualquer coisa que se queira
Uns Ovos
Óleo Alimentar ou outra gordura para fritar
Pão ou um pacote de batatas fritas.

Preparação:

Fritam-se todos os ingredientes e junta-se no fim os ovos batidos com sal e pimenta. Come-se com pão ou usando as batatas fritas como improvisado garfo.

domingo, 6 de julho de 2008

As Farinheiras da Tia Lucinda

Quando eu era miúdo tinha sempre essa benesse que hoje parece espantosa de quase quatro meses de férias. As aulas acabavam a 9 de Junho e só recomeçavam a 6 de Outubro. Era a festa das Férias Grandes, a começarem na Primavera e a terminarem no Outono!
Como o meu pai só tinha um mês, como toda a gente que trabalhava, normalmente o de Agosto, a miudagem partia logo para Armação de Pêra na companhia da Tia Lucinda, na realidade tia-avó e que vivia connosco, os meus pais iam lá ter em Agosto e depois passávamos o Setembro já na casa de Magoito.
Não é fácil imaginar o que eram umas férias no Algarve no início dos anos 60. Em Armação de Pêra, sítio apenas conhecido de alguns iniciados e que não era mencionado em muitos mapas, não havia na altura um único estabelecimento onde se pudesse dormir, nem farmácia, nem gasolina, havia um restaurante de praia, do Sr. Serol, um bar de praia, do Alvarinho, e se fosse preciso médico, chamava-se o Dr. Joãozinho, de Alcantarilha. Nós ficávamos numa casa de pescadores na Rua do Mar, cujo fim era a areia da praia e cujos donos se mudavam para as barracas das redes de pesca, durante os meses de Verão.
Em Setembro vinha a altura do mar forte e água fria do Magoito, a enrijar as carnes amolecidas dos calores algarvios. Depois da aventura do Algarve selvagem o Magoito era algo de diferente mas nem por isso muito mais civilizado. Sem estrada alcatroada, sem abastecimento de água e, a princípio, nem electricidade, esta aldeia quase às portas da capital era bem o exemplo do abandono a que o mundo rural estava votado naquela altura.
Mas para nós era um paraíso e, graças às eternas manhãs de nevoeiro daquela costa, havia todos os anos uma empresa fantástica, levada a cabo pela Tia Lucinda e colaborada por todos nós, os miúdos, e pelos amigos mais próximos a quem era concedido o privilégio de ajudar: O fabrico das Farinheiras da Tia Lucinda!
Viúva de um marinheiro que sempre acompanhou, a Tia Lucinda transportava consigo uma imensa bagagem adquirida pelos cantos do mundo onde viveu e, uma das muitíssimas coisas estranhas que sabia fazer era farinheiras. E especiais! Feitas em cada Verão, no Magoito, estas farinheiras duravam todo o ano, perfumando com o seu fumo a chaminé da casa de Lisboa, assim transfigurada como se de alguma casa rural se tratasse.
De sabor intenso e ácido, defumadas com louro e oliveira, são um dos sabores mais marcantes da minha memória de infância e faziam-se assim:

Ingredientes:

750g de Farinha de Trigo grossa
250g de Farinha de Milho
1 chávena de Banha de Porco derretida
4 colheres de sopa de Pimentão Doce
2 colheres de sopa de Massa de Pimentão
6 dentes de Alho, bem esmagados
Sumo de 2 Laranjas
1 golpe de Vinagre
Sal e Pimenta
Água
Tripa seca para enchidos

Preparação:

Misture num alguidar todos os ingredientes com a água necessária para que fique uma pasta mole, com a consistência de um polme grosso. Encha a tripa, previamente demolhada, de modo a ficar cheia só em dois terços do comprimento, vá atando as farinheiras com cordel, dobre e volte a atar os cordéis de cada ponta, um ao outro, fazendo assim a ferradura característica deste enchido.
Lave as farinheiras de algum resto que tenha ficado aderente por fora e pendure-as num pau, alinhadas mas não encostadas umas às outras. Faça um lume de carvão num sítio abrigado, pendure o pau das farinheiras sobre este lume mas afastado de modo a que não possam cozer, e ponha sobre as brasas ramos de loureiro molhados de modo a produzir bastante fumo, mas nunca chama, pelo que deverá ser uma operação vigiada em permanência. Após 2 ou 3 dias de fumo (ao todo 5-6 horas), as farinheiras podem acabar de secar ao Sol. Quando estiverem com a consistência correcta, esfregam-se com azeite e guardam-se até um ano. Se não quiser que acabem por secar demais pode congelá-las.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Meias Desfeitas

A Meia Desfeita era a maneira de comer o bacalhau com grão na estação quente. Talvez por ser um prato mais morno e aparentado com as saladas, nem que fosse no aspecto, o certo é que, trazia consigo essa mensagem implícita: estamos em férias!
Isto não quer dizer que não se fizesse Meia Desfeita no Inverno, mas a verdade é que havia uma outra versão para o tempo frio o que, realmente queria dizer que havia, não uma mas duas Meias Desfeitas,
É destes dois pratos aparentados e que partilham o mesmo meio-nome que aqui vos deixo memória inteira:

Meia Desfeita de VerãoIngredientes (por pessoa)

1 Posta de Bacalhau demolhado
1 Batata média
100g de Grão-de-bico seco
1 Ovo cozido
1 Dente de Alho
2 Colheres de sopa de cebola picada com salsa
Azeite e Vinagre
Sal e pimenta

Preparação:

Coza o grão, previamente demolhado durante pelo menos 12 horas, em panela normal, com sal, azeite, louro e um fio de azeite. Ponha as postas de bacalhau numa panela e cubra com água fria temperada de sal. Acenda o lume e quando começar a borbulhar ligeiramente, mas sem ferver em cachão, apague, deixe ficar o bacalhau mais um minuto dentro da água e retire-o. Reserve.
Aproveite a água do bacalhau e coza nela as batatas com casca e os ovos.
Retire as espinhas ao bacalhau bem como a pele, a menos que tenha a certeza que todos os comensais gostam dela, desfaça em lascas, à mão, para um tijelão. Parta então as batatas e os ovos cozidos sobre o bacalhau e por fim o grão.
Tempere com azeite virgem, vinagre de vinho, alho cortado em fatias, cebola picada com salsa e, por fim pimenta branca moída na altura. Envolva bem e passe para a travessa de ir à mesa.

Meia Desfeita de Inverno – Ingredientes (por pessoa):

1 Posta de Bacalhau demolhado
100g de Grão-de-bico seco
1 Ovo cozido
1 Dente de Alho
1 Cebola
Salsa
Azeite
Vinagre
Sal e pimenta

Preparação:

Coza e prepare o bacalhau e o grão como foi dito anteriormente e misture-os bem.
Tempere com pimenta e ponha esta mistura num tabuleiro de barro.
Pique os alhos e corte as cebolas às rodelas e aloure-os em azeite abundante. Regue a mistura de bacalhau e grão com este azeite e espalhe a cebola por cima.
Leve a forno bem quente durante uns minutos, tirando quando o azeite começar a borbulhar audivelmente. Salpique com uns golpes de vinagre, disponha os ovos cozidos, às rodelas, por cima e enfeite com salsa picada.
Sirva de “alto a baixo” de modo a que todos fiquem com ovo e cebola.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Sopa de Feijão Catarino com Beldroegas

Tendo nascido e vivido até adulto em Lisboa, a beldroega foi, para mim, uma descoberta tardia.
Conheci-a no Alandroal, terra onde os afazeres profissionais me obrigavam a almoçar. Passados tantos anos já não posso precisar se foi no Zé do Alto ou no Central, mas a sopa fumegante com as suas folhinhas carnudas como pequenas línguas de travo acídulo é uma memória que jamais esquecerei.
Depois deste gastronómico encontro iniciático, conheci muito mais desta erva "daninha"(Portulaca oleracea, L.) que, sem ser cultivada, é salada, e da boa, que teima em aparecer por entre outras culturas alastrando rastejante com os seus tenros talos vermelhos, sempre no início do Verão.
No Alentejo é comida principalmente de outra forma, uma sopa-refeição, fabulosa, que leva pão, cabeças de alho inteiras e queijo fresco cozido, mas, para mim, ficou para sempre esta primeira impressão, que não há amor como primeiro!

Ingredientes:

500g de Feijão Catarino seco ou de debulhar.
1 troço de Linguiça gorda alentejana.
Azeite
Sal
1 molho de Beldroegas

Preparação:

Coza o feijão em água com o pedaço de linguíça, em panela normal, depois de convenientemente demolhado em água fria durante pelo menos 12 horas (se usou feijão de debulhar, claro que esta operação não é necessária).
Quando bem cozido, passe-o em passe-vite. Se não tem passe-vite e tiver de usar varinha, terá de passar o caldo com o puré por um passador de rede para retirar os restos das películas.
Tempere com sal, passe um fio de azeite virgem, parta a linguiça em rodelas, leve ao lume e, quando levantar fervura, introduza as beldroegas lavadas e arranjadas, o que se faz, destacando as folhas carnudas dos talos vermelhos mais grossos e usando as pontas assim mesmo, com o talo. Mexa, deixe levantar apenas fervura de novo, apague o lume e espere 5 minutos com a panela tapada.
Sirva de modo a que cada prato tenha uma rodela de linguiça e tenha pão alentejano disponível para quem quiser ensopar bocadinhos.

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quinta-feira, 5 de junho de 2008

Caldo Verde

Parecia que seria levada por um sopro, de tão pequena e magra. Mas era rija afinal a Dona Lucrécia, porteira desde sempre do prédio onde passei a minha infância e adolescência, senhora absoluta da “suas” escadas e do quintal, que nós teimávamos em fazer cenário das nossas ruidosas aventuras. Na sua incessante patrulha pela ordem e limpeza das escadas, era vê-la a ralhar até com a minha mãe, se a apanhava a sacudir a toalha da mesa do jantar pela janela da cozinha depois do pôr-do-sol: é que as migalhas sacudidas no escuro eram chamamento para os demónios, se de dia, alimento para os anjos!
A Dona Lucrécia era a mais exímia e extraordinária cortadora de caldo verde que eu alguma vez conheci. Das suas mãos saíam autênticos cabelos de couve-galega cortados por uma velha faca que, de tão afiada, quase parecia partir-se a meio e que trabalhava encostada a um apertado rolo de folhas que girava na outra mão, numa sincronia sobrenatural de onde caíam os ínfimos fiozinhos verdes que seriam a alegria do inquilino sortudo a quem se destinava aquele Caldo Verde.
Se fosse viva teria hoje mais de cem anos e, claro, nunca mais comi nada que se parecesse com aquele Caldo Verde que entrou assim no dourado reino do mito.
O melhor que consegui, depois de alguns anos a tentar imitar-lhe os mágicos gestos e a ceifar sem dó os meus próprios dedos, foi comprar uma daquelas máquinas manuais que se usam nos mercados para os caldos verdes e julianas, na qual continuo a preparar um caldo verde com apreciável qualidade, principalmente se comparado com as infames farripas grosseiras de uma couve qualquer que hoje se vendem já embaladas com o nome de “caldo verde”.

Ingredientes:

500g de Couve-galega
1 Cebola média
500g de batatas
3 dentes de alho
Sal e pimenta
Azeite virgem
Azeite extra-virgem

Preparação:

Se possível, compre a couve no mercado, migada na altura. Certifique-se que foi usada a couve-galega e não qualquer outra. Nalguns sítios, como o Alentejo, é usual utilizar-se a couve portuguesa para o caldo, mas o resultado final é deficiente.
Ponha a couve migada num alguidar e cubra-a de água.
Coza as batatas, cebola e alhos em água temperada com sal. Quando cozidos passe estes vegetais pelo passe-vite. Um bom caldo verde não tem por base um creme liso mas um puré em que se notam algumas texturas. Volta ao lume, tempera com um fio de azeite virgem, pimenta moída e introduz a couve que entretanto escorreu. Deixe cozer em panela destapada, se quiser manter o verde aberto da couve. Se tapar a panela a sopa fica menos verde mas o sabor é o mesmo. O tempo de cozedura é muito variável, dependendo da idade e tenrura da couve. Quando estiver cozida a couve está pronta a sopa. Sirva muito quente pondo um fio de azeite extra-virgem, já no prato.

Notas:

É deliciosa acompanhada de sopas de pão e, de Verão, pode comer-se bem gelada..
Nalgumas regiões do Norte usa-se comer a couve quase crua, só escaldada, e acompanhada de uma rodela de chouriço ou salpicão, com broa.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Coelho à Caçador

Transporto em mim uma incoerência insanável que me acompanhará por certo toda a vida: Simultâneamente, detesto a caça, enquanto actividade, mas adoro a caça enquanto pitéu. Sendo que um não existe sem a outra, resta-me ir aproveitando, para meu deleite, o que outros matam e eu como, ambos por prazer! Se não fosse este remorso ...
Gosto muito de coelho, adoro se bravo e uma boa lebre deixa-me em êxtase!
Na minha infância e adolescência, um tio caçador inundava-nos positivamente com dúzias destes bichos, para meu gáudio, que sempre fui, por ali, o maior aficionado destas iguarias venatórias.
Se uma lebre tenra pode ser nobre assunto para uma infinidade de preparações de luxo, já o plebeu coelho tem uma receita que se destaca dentre todas como a que mais valoriza a sua firme carne: O Coelho à Caçador!
Mas o tio caçador, depois de uma vida em que foi gadanha de morte para tantos bichinhos, acabou por ser ele próprio levado pela incontornável sentença que a todos aflige e secou-se assim a fonte de tordos, perdizes, codornizes, pombos, coelhos e lebres, tantos outros de que não retive o nome.
Ficou o Coelho à Caçador como a minha mãe fazia, agora adaptado, pela força das circunstâncias, mais a coelhos mansos que bravos, mas ainda assim a ser uma festa para o paladar.

Ingredientes:

1 Coelho
150g de toucinho
2 cebolas grandes ou 3 médias
1 cabeça de alhos
Sal e pimenta
1 litro de bom vinho tinto, encorpado
1 dl de Azeite Virgem ou 4 colheres de banha
2 tomates maduros ou pelados
2 dl de calda de tomate
2 folhas de louro
1 colher de sopa de alecrim (folhinhas), se for coelho manso
1 colher de sopa de carqueja (flor seca), se for coelho manso.
Batatas
Pão fino, duro
Azeite vulgar, para fritar.

Preparação:

Amanhe o coelho como habitual, retire a vesícula com muito cuidado, parta o bicho em pedaços equilibrados, ponha tudo numa tijela, tempere com o sal e pimenta, junte o louro e os dentes de alho esmagados com uma pancada mas conservando a casca e regue tudo com o vinho tinto, que deve cobrir a carne. Deixe pelo menos um par de horas, melhor se puder ser para o dia seguinte.
Num tacho, melhor se tiver em barro, derreta a banha e frite na gordura as cebolas cortadas em rodelas finas e o toucinho em tirinhas. Quando alourarem introduza os tomates desfeitos groseiramente e calda de tomate e por fim a carne com a marinada.
Se está a cozinhar um coelho manso e gosta do sabor acre da caça selvagem, junte o alecrim e a carqueja. Depois de ferver, baixe o lume, tape e deixe estufar até o coelho estar tenro, o que pode levar meia hora, se manso, até quase duas horas se bravo. Neste caso pode ser necessário juntar líquido aos poucos, que será sempre mais vinho e nunca água.
Enquanto o coelho estufa, coza batatas novas com casca e frite fatias de pão branco em azeite. Deixe ficarem louras, escorra e reserve.
Serve-se o Coelho à Caçador sobre estas fatias de pão frito que são comidas também depois de bem embebidas no delicioso molho e acompanhado de batatas cozidas, temperadas também com o molho da carne.

Notas:

As crianças lá em casa, eu incluído, íamos sempre sonhando com o dia em que a minha mãe condescendesse em fazer batatas fritas em vez das odiadas cozidas, que achávamos o acompanhamento condigno para o petisco, embora raramente tivéssemos essa sorte.
O Coelho à Caçador pede de uma maneira muito especial para ser acompanhado por vinho alentejano ou da península de Setúbal.



terça-feira, 27 de maio de 2008

Cozido

Se para se ser gourmet é necessário desprezar o Cozido à Portuguesa, então "abaixo os gourmets, agora e para sempre!". De há uns tempos a esta parte, passou a ser moda entre alguma malta mais "gourmet fashion" (mais faxon que fashion), citar o bom e velho Cozido como exemplo de comida boçal e sem classe. Claro que sendo o Cozido um prato absolutamente transversal a todas as regióes e classes sociais portuguesas, incluindo o temível Povo, essa gente que normalmente até vem precisamente do povo mas que, depois de incluir algum "y" e duplicar umas consoantes no velho nome de baptismo, passa a vida a ocultar as verdadeiras origens e a cultivar uma nova biografia mítica, não podia deixar de renegar aquele prato tão igualitário quanto delicioso. Faz-me lembrar as célebres churrascadas de fim-de-semana, em Fontanelas, de um dono de restaurante macrobiótico, a renegar as profissionais agruras de arroz integral de Segunda a Sexta!
O Cozido à Portuguesa é a festa feita prato! Desde o cozido de carnes fumadas de Trás-os-Montes, ao comido com pão, todo desarrumado e com grão, no Alentejo, todos os cozidos partilham algo de indefinido mas suficientemente forte para que um Cozido à Portuguesa não tenha qualquer possibilidade de ser confundido com qualquer dos outros que existem por esse mundo fora.
Não há dois cozidos iguais: cada família transporta o seu arquétipo e transmite-o à geração seguinte, com ou sem alterações, como se de um gene se tratasse.
Na minha família, o Cozido é assim:

Ingredientes:

Carne de Vaca (peito, maçã do peito, chambão) 150g por pessoa
Orelha de porco, 1/2 por pessoa
Chispe, meia unha por pessoa
Entrecosto, 150g por pessoa
Toucinho entremeado mas gordo, 150g para 6 pessoas
Frango do campo, 1/8 por pessoa

Chouriço de carne artesanal, 1 para 6-8 pessoas
Farinheira da Beira
Chouriço de Sangue fresco (negro avinagrado)
Morcela

Couve Tronchuda Portuguesa
Lombardo ou Repolho (coração)
Batata média, 1 por pessoa
Cenoura, 1 por pessoa
Nabo, 1/2 por pessoa
Feijão Catarino ou Feijoca (cozido de Inverno)
Feijão verde (cozido de Verão)

Arroz Carolino
Sal
Hortelã

Preparação:

Use carne de vaca ou novilho, animal adulto.
Coza a carne de vaca durante 25 minutos na panela de pressão, com sal e água abundante. Deixe sair toda a pressão, abra, retire um pouco da água para um tacho pequeno, e introduza na panela de pressão as carnes de porco, toucinho e chouriço de carne. Tape e leve a cozer, com pressão, mais 35 minutos. Entretanto, ponha no tacho a morcela, o chouriço de sangue e a farinheira previamente demolhada em água fria durante uma hora, todos furados com um palito aguçado, a cozer em lume brando e tacho destapado, durante cerca de 10 minutos, vigiando para prevenir qualquer rebentamento.
Quando as carnes estiverem cozidas, abra e misture o caldo onde cozeu os enchidos. Retire então a quantidade necessária para fazer o Arroz de Sustância, que deve incluir alguma ôlha das gorduras sobrenadantes. Guarde as carnes e enchidos na panela tapada e passe o caldo para a panela onde vai cozer os legumes.
Comece pelas cenouras, couve portuguesa e nabos, deixe ferver 5 minutos, introduza então as batatas, o frango, uns ramitos de hortelã e o lombardo ou repolho e deixe cozer mais 15 minutos. Por fim, se está a fazer o cozido de Verão, ponha o feijão verde atado num molho, os últimos 5 minutos.
No cozido de Inverno junte no fim os feijões cozidos à parte, a menos que queira fazer um cozido chamado "de feijão" em que este é cozido com as carnes mas que deixa um tom acastanhado no resto dos ingredientes.
Entretanto ponha o arroz a cozer no caldo que reservou. Este Arroz de Sustância deve ser feito com um pouco menos de líquido que o dobro do arroz, retirado do lume antes de pronto e deixado a acabar fora do lume, tapado, de modo a ficar perfeitamente seco e solto.
Sirva a travessa dos legumes, escalde com o caldo destes as carnes que ficaram na panela, enquanto põe o arroz noutro recipiente, por fim sirva as carnes e enchidos partidos às rodelas numa segunda travessa.

Nota:

O caldo que sobra de um cozido, coado ou não, sobre umas fatias de pão duro e com uma folha de hortelã fresca no prato é uma experiência quase mística, de que não deve prescindir.
Claro que este é o Cozido de festa, o preceito excepcional; no dia-a-dia há coisas que não se pôem, tudo fica mais simples (e digerível) mas nem por isso menos aliciante.
Um dia destes publicarei um Cozido Pobre!

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quarta-feira, 21 de maio de 2008

Galinha de Fricassé

Voltamos com este fricassé ao recorrente tema dos pratos ditos "fáceis".
Todos o sabem fazer, como ao bife, mas a verdade é que basta provar os exemplares servidos na maioria dos restaurantes, se tiver estômago para a prova, ou provação, para verificar que , sob o nome de fricassé, é-lhe apresentada uma variedade imensa de papas mais ou menos dessoradas, a escorrer umas aguadilhas leitosas de uns fiapos de ovo cozido demais. Isto quando o "fricassé" não se limita a uma molhanga amarelada com uns pedaços de carne a boiar!
Na verdade, a execução de um bom fricassé não está ao alcance imediato de todos e dificilmente se compadece com a azáfama de uma cozinha industrial. É um prato para ser feito com o amor, cuidado e tempo que só se podem ter na nossa cozinha .

Ingredientes:

1 Galinha gorda ou Frango do campo
Sal grosso
1 raminho de Hortelã
1 Cebola grande
2 dentes de Alho
1 folha de Louro
1/2 copo de gordura da galinha
1 copo de canja da galinha
5 - 7 ovos, conforme o tamanho do bicho
Sumo de 2 Limões grandes ou 3 médios
Flor de Sal e Pimenta Moída
Salsa picada

Preparação:

Parta a galinha ou frango em quartos, cubra de água e coza demoradamente com sal grosso e um raminho de hortelã. Depois de um tempo de cozedura que é muito variável segundo a qualidade da ave, quando verificar que a carne já se destaca com facilidade dos ossos, escorra e deixe a arrefecer até estar morna e poder mexer-lhe bem sem se queimar.
Com uma concha de sopa retire com cuidado, da superfície da canja formada, meio copo da gordura do animal e ponha-a num tacho. Descasque e parta em meias rodelas muito finas a cebola e pique os dentes de alho muito fino. Refogue sem deixar alourar a cebola, a folha de louro e o alho na gordura da galinha e junte-lhe depois um copo de canja . Retire o louro e reserve.
Remova ossos e pele à galinha e desmanche a carne com os dedos de modo a ficarem pedaços que se possam comer sem necessidade de usar faca. Por norma não se usa a pele, mas pode mantê-la se tiver a certeza que é do agrado de todos os comensais. Ponha a carne no tacho e envolva.
Bata os ovos com flor de sal, pimenta e a salsa picada. No fim junte o sumo de limão.
Ponha de novo o tacho ao lume e junte os ovos, mexendo sempre, devagar, com o lume muito baixo, até ver que começou a engrossar. Tire imediatamente do lume e vaze numa terrina ou travessa frias, de modo a impedir que a cocção continue.
Esta operação é muito delicada ( é aqui que se dão os desastres), pois a carne, por cima, impede de ver o que está a suceder junto ao fundo, mais quente. Se não domina bem a técnica de engrossar ovos sem talhar, sugiro que faça a operação de engrossar do molho sem a carne lá dentro, misturando depois já fora do lume.
Sirva de imediato acompanhado de salada de alface (à parte) e batata frita fina ou arroz de manteiga. Consuma tudo pois é impossível reaquecer em condições um fricassé.

Nota:

Utilize os melhores animais que puder para este prato. Há que evitar, sobretudo, as magríssimas galinhas poedeiras velhas que aparecem em saldo nos supermercados. Se não tiver galinha gorda ou frango do campo, utilize pernas de frango de aviário, das que se vendem separadas.
Uma perna de perú pode ser opção a considerar, apesar de muito diferente o sabor final. No caso de usar só pernas, não terá gordura suficiente pelo que deverá usar azeite.
Como na receita anterior, também aqui terá como subproduto uma óptima canja para aproveitar.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Frango Panado

Apesar das malditas calorias, os panados são reis na tabela de popularidade dos pratos lá de casa. Já assim era na casa de meus pais, passou esse gosto para as minhas filhas, de tal modo que, já farto de ver a mais velha a escarafunchar escalopes ou rissóis para reservar a idolatrada "pele" crocante, cheguei a fazer-lhe uns panados "especiais", tirinhas de massa de rissol, singela, panada dos dois lados, para deliciado petisco ... enfim!
Este frango panado é o mais simples dos pratos, não tem nada, é frango cozido em água e sal! E, no entanto, acompanhado de arroz de manteiga fumegante, salada e imprescindíveis pickles, (que só comemos nesta ocasião), pede meças e ganha a qualquer coronel americano do Kentucky ou seja de onde for.

Ingredientes:

1 Frango
Sal
Pimenta
Ovo e pão ralado
Óleo para fritar
Arroz carolino
Manteiga
Pickles de couve-flor

Preparação:

Parta o frango em metades e coza em água e sal. Retire o frango e deixe esfriar.
Depois de frio corte o frango em pedaços médios: perna, coxa, asas, o peito em dois ou três bocados, a carcaça que é óptima de roer. Polvilhe de longe e muito ao de leve com pimenta.
Passe estes bocados por ovo batido e pão ralado e frite até estarem louros.
Sirva com arroz de manteiga acabado de fazer, salada de alface e pickles de couve-flor.

Nota:

A água em que o frango cozeu, coada e com uma massinha miúda ou arroz, com os miúdos do frango aos pedacinhos, é uma canja perfeita, para mim suprema com umas gotas de sumo de limão.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Rim com Batatas

O rim, até pelas funções fisiológicas que desempenha no animal vivo é, para muita gente, uma víscera maldita.
Que injustiça! Se é verdade que foi um filtro, não é menos verdade que tudo o que filtrou e excretou foi formado nos músculos com que nos deliciamos, de boa mente.
Dotado de um sabor forte e inconfundível, presta-se a inúmeras e requintadas utilizações culinárias, qual delas a mais saborosa.
Mas porque este blog não se dedica a tais vôos gastronómicos, vou deixar aqui a forma mais simples de transformar uns rins num prato delicioso e fácil de executar que era aguardado com ansiedade e que nunca, mas mesmo nunca, vi sobrar!

Ingredientes:

600g de Rim de porco, (ou vitela)
Alhos
Louro
Sal e Pimenta
Vinho branco
Banha de porco
500g de Batatas

Preparação:

Peça no talho para arranjarem os rins. Se comprou embalado (o que deve evitar), deite-o sobre a tábua e abra o rim ao meio. Retire toda a parte central com uma faca muito afiada, removendo todas as estruturas e linhas brancas, deixando assim apenas a parte maciça, exterior, do órgão.
Corte cada metade do rim em cubinhos pequenos, tempere com alhos, louro, sal, pimenta e cubra de vinho branco. Deixe a marinar umas horas.
Aqueça a banha numa frigideira e deite nela os cubinhos de rim, escorridos da marinada, deixando-os fritar rapidamente com lume muito forte, mexendo. Quando estiverem uniformemente fritos adicione a marinada e deixe reduzir até o molho recomeçar a fazer ruído de fritar e estar grosso. Se deixar fritar demais e a parte mais espessa do molho começar a "separar", junte mais um pouquinho de vinho branco e mexa para ligar.
Frite à parte batatas em cubinhos pequenos, de tamanho comparável ao da carne. Quando estiverem bem fritos e um pouco estaladiços por fora, junte-os à carne, envolva tudo rapidamente no molho e sirva logo.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Tortilha ( do Rey)

Na casa da minha infância chamava-se Pastelão e umas vezes era de batata, outras incluía restos de bacalhau desfiado em lascas. Nunca soube o porquê do inusitado baptismo, tanto mais que tinha sido aprendido pela minha mãe numa viagem ao Sul de Espanha, há 53 anos, viagem em que, supostamente, eu fui “feito”.
Só depois de adulto é que percebi que o “pastelão” da minha mãe era afinal a famosa Tortilla Espanhola, e feita rigorosamente segundo o preceito seguido no Sul, de onde a Tortilla é originária.
Como a maior parte dos pratos de ovos, normalmente classificados com uma singela estrelinha no que se refere a dificuldade, a sua execução é extraordinariamente simples se se pretender uma tortilha vulgar, omoleta de batatas, daquelas que se despacham quando só há 10 minutos para ficar pronta. Mas há as “outras”, claro; aquelas que só conseguimos comer lá, em Espanha, e das quais dizemos que têm de ter qualquer segredo que as transforma naquela maravilha cujo cheiro inunda a rua e nos obriga a entrar e comer uma “tapa”, “racione” ou até um “pincho”.
Respeitado como um quase-símbolo nacional, nenhum espanhol considera a Tortilla um prato rápido ou fácil. Pelo contrário, sabem que a sua perfeita obtenção é fruto de muito treino e rigor. O Rei D. Juan Carlos, adepto confesso de tortillas, quando está no Sul de Espanha, vai de propósito, anónimo, a Málaga, comer uma tortilla feita por uma espanhola particular, senhora já de idade e que , segundo o Rei, faz a melhor tortilla de Espanha. Deixarei aqui o preceito exaustivo dessa tortilha, obtido dessa senhora por interposta amiga. Com ele, seguindo sem qualquer transigência todos os passos indicados, todas as quantidades, tempos e temperaturas, poderá obter uma verdadeira “Tortilla do Rey”.

Ingredientes:

500g de batata
1 cebola branca, grande
3 dentes de alho
Azeite virgem
6 ovos
Sal e pimenta

Preparação:

Descasque e corte as batatas em falhas, que se obtêm cortando uma cunhas finas a partir da periferia para o centro, começa o corte da grossura de um lápis e acaba fininho lá para o meio da batata. Descasque e corte a cebola do mesmo modo. Pique os alhos muitíssimo fino.
Numa frigideira ponha estes três ingredientes, misturados e acamados, tempere com sal e pimenta, cubra-os (literalmente) de azeite e leve a lume forte. Assim que começar a borbulhar, baixe o lume para o mínimo e deixe cozer no azeite, sem mexer. ( Se fosse hoje dir-se-ia que se estava a confitar)
Quando a batata está quase completamente cozida no azeite, e é mesmo cozida, sem qualquer vestígio de alouramento ou fritura, (vê-se quando a parte mais fina das “falhas” se começa a desfazer), retire com uma escumadeira para uma tigela e guarde o azeite. Este azeite, que nunca chegou a fritar, e que por vezes é mais de um litro, pode e deve ser aproveitado para futuras tortilhas ou outros cozinhados.
Bata os ovos com um pouco de sal e pimenta e junte-os à batata. Envolva mas não mexa demais, para a batata não se tornar um puré.
Volte a pôr na frigideira algum azeite, do que utilizou para a cozedura das batatas, mas só 3-4 colheres de sopa, deixe aquecer moderadamente e vaze a massa da tortilha para a frigideira. Deixe fritar.
Alguns minutos depois chega-se a uma fase crucial da execução: a parte de cima está completamente líquida mas a parte encostada ao fundo da frigideira já está frita. Então, com uma espátula de madeira ou colher de pau, revolva sem dó toda a tortilha, que parece ficar um caos, toda desfeita. Esta operação destina-se a levar partes fritas para o interior, reduzir o tempo de cozedura e deixar a necessária humidade cremosa por dentro que caracteriza as grandes tortilhas, que não devem ser secas como um pudim de batatas nem ficarem a escorrer por não estarem cozinhadas por dentro.
Após esta mexida, ajeite com a colher os bordos da tortilha, levante um pouco mais o lume e deixe então fritar o lado de baixo, agitando a frigideira um pouco, de tempos a tempos, para deixar uma fritura uniforme. Quando o primeiro lado está frito, o que se nota pelo aroma de ovo frito, pelo ruído de fritar e pela espuma que se forma nos bordos, há que virá-la. Arranje uma tampa (melhor por causa da pega), ou um prato de rebordo baixo, maiores que a frigideira, deixe a tortilha deslizar para a tampa, como se estivesse a servir para uma travessa, escorra bem o resto de azeite quente para cima da tortilha, tape-a com a frigideira invertida e volte o conjunto sem hesitações. Já está!
Ponha de novo ao lume, agite a frigideira em movimentos circulares enérgicos para que os bordos se componham e deixe fritar um pouco com lume esperto. Este segundo lado é que vai decidir do grau de humidade interna, pelo que não deve ser muito demorado. Assim que estiver louro retire para papel absorvente e sirva morno, que é a temperatura em que melhor mostra todo o seu encanto.

Notas:

Noutras regiões de Espanha, junta-se salsa picada aos ovos; eu adoro com coentros, mas sou suspeito pois na verdade adoro coentros em tudo.
Uma das maneiras mais sofisticadas de comer Tortilla e que transforma o acto num verdadeiro exercício gourmet, é acompanhá-la com Allioli, um molho catalão mas cujo uso se estendeu por toda a Costa Brava . Pode preparar o Allioli, esmagando 4 ou 5 dentes de alho com um pouco de sal, juntar uma gema de ovo e com a varinha na velocidade baixa, bater e juntar uma chávena com azeite e óleo, fazendo uma espécie de maionaise de alho, forte. No fim junte um pouco de sumo de limão e coma os pedaços de Tortilla morna com um pouco deste delicioso molho

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Rissóis de Camarão

Antigamente não havia "miolo de camarão" congelado. Ainda bem porque assim, os rissóis da minha infância eram feitos com camarão do porto, também conhecido por Camarão de Espinho, mas que é pescado por toda a costa e, dantes, até em Lisboa, nas docas de Pedrouços ou da Trafaria e vendido depois às portas, a saltar na alcofa, transparentes como vidro.
Rissóis era um prato desejado se bem que não muito frequente pois a minha mãe não apreciava particularmente as horas perdidas a descascar o miúdo crustáceo. Então, quando o Alvarinho, um pescador de camarão e caranguejo, subia com a sua alcofa a escada de serviço, nós, eu e as minhas duas irmãs, lá íamos suplicar os rissóis, encetávamos uma demorada negociação em que prometíamos descascar os bichos, a minha mãe dizia que metade desaparecia durante a operação e por fim, muitas vezes, tínhamos sorte.
Depois era a festa da cozedura, as minhas irmãs cheias de pena dos bichinhos a serem fervidos em vida, eu maravilhado pela alquímica transformação que se operava; agora invisíveis, iguais à própria água em que morriam, logo a aparecerem do nada, todos em tons de salmão e branco.
Lá mais para o fim deixava-se a miudagem ajudar no panar, era uma discusão quem ficava com os dedos dentro do ovo batido, que o engraçado era fazer "bodega".
Na fritura todos rezávamos para que um ou outro se abrisse na frigideira, ficando inapresentável para a mesa e portanto logo comido ali, depois de devidamente disputado ou até dividido.


Nisto de Gastronomia, confesso, não sou lá muito democrata, não. Se é verdade que foi das cozinhas do povo que saíram as melhores obras-primas do nosso património gastronómico e culinário, não é menos verdade que, quando uma obra-prima de outros níveis de gosto cai nas garras da popularidade, é rapidamente abastardada pelo proverbial facilitismo apressado de quem acha que descobriu logo uma esperteza qualquer para fazer aquilo num instante.

Os rissóis são um exemplo disso: originários da cozinha burguesa, em que havia a obsessão da imitação das cozinhas nobres que emulavam, caíram na desgraça dos "salgadinhos de pastelaria" e, claro, não tardou que alguém os passasse a fazer com sopas de peixe ou marisco instantâneas, com um exemplar contado de miolo de camarão deslavado lá no meio, a mostrar que ali é gente séria, que não se engana ninguém...

Ingredientes:

Massa -
1 chávena de água
1 chávena muito cheia de farinha de trigo
1 colher de sopa de manteiga
1 casquinha de limão
1 pitada de sal


Recheio -
1 dente de alho
2 colheres de sopa de manteiga
1 colher de sopa de farinha de trigo
1 colher de sopa de Maizena
Raspa de Noz moscada
Sal e pimenta
Miolo de camarão
Leite de cozer o camarão
100ml de natas
2 gemas
Salsa picada


Preparação:

Ponha a água para a massa ao lume com o limão, manteiga e sal e, quando ferver, retire a casca de limão e introduza a farinha previamente peneirada, de uma só vez, mexendo energicamente com a colher de pau até estar cozida e a soltar-se do fundo do tacho. Passe-a para a pedra, ajeite em bola e deixe a arrefecer embrulhada num pano.

Claro que não vai comprar o raro e caríssimo camarão de Espinho para fazer rissóis!
Compre camarão congelado pequeno, mas crú, descongele-o rapidamente em água fria e coza-o em leite com algum sal mas muito menos que o normalmente usado para cozer marisco, dado que será o sal do recheio. Assim que o leite ferver, apague o lume e deixe o camarão lá dentro, tapado, durante 5 minutos. Descasque os camarões, reserve o miolo e volte a ferver no leite cascas e cabeças, durante 15-20 minutos , com o lume no mínimo para o leite não subir e transbordar. Coe e esprema as cabeças e cascas, com auxílio do utensílio para fazer puré, ou como puder. Reserve o líquido.
Derreta num tacho a manteiga, tempere com pimenta e uma pitada mínima de noz moscada, e aloure o dente de alho que é retirado assim que começa a ganhar cor. Adicione então as farinhas e envolva-as na gordura. Quando começar a querer fritar a farinha adicione aos poucos o leite de marisco mexendo sempre com as varas para não formar grumos. Deixe engrossar e adicione então as natas, nas quais bateu as gemas. Leve de novo ao lume, mexendo sempre e deixe espessar de novo. O recheio deve ficar com a consistência de leite creme, se necessário pode ter de acrescentar mais um pouco de leite. Prove, rectifique sal e pimenta, junte o miolo de camarão e a salsa, mexa, já fora do lume.

Estenda a massa na pedra, fina, com o rolo, deite uma colher de recheio, já frio, dobre a massa por cima e corte em meios círculos com o auxílio de um objecto redondo com bordo grosso, que esmague a massa um pouco antes de cortar. Os cortadores clássicos, muito finos no corte, funcionam mal e o rissol abre-se ao fritar.
Passe o rissol por ovo batido e pão ralado e frite em óleo quente. Neste caso o óleo é preferível pois quando se frita algo feito com manteiga em azeite, gera-se uma incongruência gustativa, indefinida mas detectável.

Acompanhe com um arroz e salada de alface.

Nota:

Com a técnica descrita, o rissol fica de uma delicadeza e sabor inexcedíveis.
Pode usar pescada, bacalhau ou outro peixe de lasca e, com o mesmo processo, fazer rissóis destes peixes.




terça-feira, 13 de maio de 2008

Coelho à São Cristóvão

Situada no limite entre os concelhos de Montemor-o-Novo, a que pertence, e o de Alcácer do Sal, a freguesia de S. Cristóvão e aldeia do mesmo nome é, como tantas do Alentejo interior, uma aldeia envelhecida e em vias de desertificação.
Destroço de si própria, foi como tantas outras aldeias do interior, incapaz de criar em si motivos que levassem as novas gerações a ficar. Pontuada aqui e ali por vestígios de um passado bem diferente da triste actualidade, S.Cristóvão lembra o tempo em que, só na freguesia funcionavam cinco escolas primárias, minas, diversas actividades económicas e culturais e, claro, a Pensão Canejo, fechada há quase quatro décadas, onde se vinha, e de longe, para provar os petiscos de Dona Alexandrina e, dentre eles, o único prato original da aldeia, por isso chamado Coelho à São Cristóvão.

Ingredientes:

1 Coelho
Alhos
Sal
Vinagre
Azeite
Coentros

Preparação:

Pise num almofariz alguns dentes de alho com sal grosso e um pouco de vinagre e esfregue o coelho com esta mistura, por fora e por dentro das cavidades abdominal e toráxica. Deixe assim para o dia seguinte.
Introduza dentro do coelho umas tiras de toucinho fresco e grelhe-o sobre lume de carvão, lentamente, virando quando necessário. Fica pronto em cerca de uma hora, conforme o tamanho do bicho.
Quando vir que está bem assado, tire-o do lume, parta-o em pedaços pequenos com uma faca ou tesoura de churrasco e ponha-os numa tigela.
Pique então muito fino vários dentes de alho e um ramo de coentros, salpique generosamente o coelho com eles e regue com azeite virgem e vinagre de vinho. Mexa.
Come-se como petisco, depois de completamente frio, ou como prato, acompanhado com batata cozida.

Nota:

Actualmente, usa-se por vezes apresentar o Coelho à S. Cristóvão, já desossado, acompanhado de pão alentejano.
Além desta particularidade gastronómica, S. Cristóvão tem ainda uma outra bem importante: é. desde há treze anos, a minha “aldeia”.

sábado, 10 de maio de 2008

Bacalhau à Brás ( História Triste de Um Crime)

Ao falar das 103 maneiras de preparar bacalhau descritas no seu “Pantagruel”, Jorge Brum do Canto diz que existem mais maneiras de fazê-lo do que escamas o bicho tem e do seu “direito a senhoria” na cozinha Portuguesa. É bem assim!
Séculos de apuro e convivência íntima com o Gadus morhua, fizeram dos cozinheiros e cozinheiras deste canto do mundo especialistas incontestados na arte do bacalhau. Esta coroa não serve, porém, só para enfeitar a testa da Cozinha Portuguesa; ela gera responsabilidade, mais que não seja na conservação desse imenso património gastronómico, cultural, construído no dia-a-dia das cozinhas anónimas de todo um povo, durante gerações.

Vou hoje, aqui, falar-vos de um crime hediondo que se passou bem à nossa volta, de que fomos cúmplices, nem que fosse por omissão de denúncia, e que devastou a riqueza sápida de um dos mais exigentes pratos de bacalhau: O Assassínio do Bacalhau à Brás !

Até há bem poucos anos, quinze ou vinte no máximo, o Bacalhau à Brás era um prato maior da cozinha da Estremadura, figurava nos cardápios dos melhores restaurantes da capital, ombreando com os maiores exemplos da Grande Cozinha. Era vulgar que fosse servido em banquetes de recepção a reis e presidentes estrangeiros quando nos visitavam. Era uma experiência que não se esquecia!
Depois, num dia triste qualquer, um qualquer também triste cozinheiro apressado, descobriu as batatas fritas palha, de pacote, achou por certo que tinha descoberto a pólvora e transformou alegremente o Bacalhau à Brás no “hamburger” do bacalhau.

Fazer qualquer coisa “à Brás” passou a ser sinónimo de coisinha rápida e prática, uma espécie de “fast food” caseiro, o Bacalhau à Brás assim abastardado invadiu tudo, teve mesmo honras de apadrinhamento por grandes nomes da nossa cozinha mais mediática, e, consequentemente, desapareceu dos sítios onde era oferecido a apetites mais exigentes e menos dados a tais popularidades.

Deixo aqui, como modesto contributo para a memória deste delicioso monumento da nossa Cozinha, o preceito para a execução do Bacalhau à Brás da minha juventude, fixado por Maria de Lourdes Modesto na Cozinha Tradicional Portuguesa.

Ingredientes:

400g de Bacalhau
500g de Batata
6 Ovos
3 colheres de sopa de Azeite
3 Cebolas
1 dente de Alho
Salsa
Sal e Pimenta
Azeitonas Pretas de cura natural
Óleo para fritar

Preparação:

Retire a pele e as espinhas ao bacalhau previamente demolhado. Esta operação pode ser muito facilitada se escaldar brevemente o bacalhau, vertendo sobre as postas água bem quente e deixando o bacalhau nesta água alguns segundos.
Desfie o bacalhau com as mãos e reserve.
Prepare então as batatas, descascando-as e cortando-as em palha. Cortar em palha é cortar em palitos com cerca de 3 milímetros de lado, nunca mais. Frite estas batatas em óleo quente e retire-as assim que começam a alourar, o que é rápido. Reserve-as.
Pique o alho muito fino e as cebolas em rodelas finíssimas e refogue lentamente em lume médio, num tacho de fundo espesso, até a cebola estar cozida e transparente.
Junte então o bacalhau desfiado e mexa para que fique bem envolvido com a cebola e o azeite.
Junte então as batatas ao bacalhau e, com o tacho sobre o lume baixo/médio, acrescente os ovos batidos e temperados com sal e pimenta. Mexa com uma colher ou garfo de pau, continuamente, até o ovo se tornar cremoso, mas cozido. Passe imediatamente o cozinhado para uma travessa fria, para que a cozedura não continue. Salpique com salsa picada e sirva logo.
Acompanha-se com azeitonas pretas miúdas, ditas “galegas” e curtidas pelo método tradicional. Não use as modernas azeitonas pretas grandes e redondas, com o interior acinzentado pela curtimenta química.

Nota:

Deguste com a “devoção” que este prato merece, recorde as papas de ovo abatatado e engordurado que seguramente tão bem conhece, perceba porque não pude deixar de falar em “crime”!

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Perninhas de Rã

Quando eu era miúdo, pernas de rã era uma daquelas comidas que se sabia ser vagamente excêntrica e "fina" mas que jamais se sonharia comer ou sequer desejar. Um pouco como o caviar: esse, ao fim de muitos anos a pedir, a minha mãe lá condescendeu e apareceu uma latinha minúscula, russa, e eu lá o fui provar, excitado como se daquilo dependesse a vida. Foi a unica vez que comi caviar! Quarenta anos passados, lembro um sabor salgadíssimo a peixe apodricado, um vómito. Se calhar hoje gostaria, mas a vontade foi-se para sempre.

Mas quanto às míticas pernas de rã não houve traumas infantis porque, simplesmente, nunca apareceram. Encontrei-as anos depois como petisco de cervejaria, uma espécie de tremoços puxa-cerveja, naquela que viria a ser, ainda vinte anos depois, a minha cidade adoptiva: Montemor-o-Novo.
Aqui, os miúdos caçavam os batráquios no Verão e vendiam as pernas às cervejarias e cafés, que as mantinham congeladas no resto do ano e eram vulgares, sem qualquer espécie de aura ou de mito; comiam-se e pronto!

Provei e gostei - gostei mesmo muito - passou a ser petisco obrigatório sempre que passava por Montemor. Depois encontrei-as à venda na Makro, vinham da Malásia, congeladas.
Experimentei as preparações mais variadas e, por fim, com a ajuda crítica implacável das minhas filhas, então crianças, ficou como preferida a que aqui vos deixo:

Ingredientes:

Pernas de Rã, congeladas
Alhos
Sumo de Limão
Sal e Pimenta
Farinha, Ovo e Pão Ralado, para panar.
Óleo para fritar

Preparação:

As pernas de rã vendem-se em blocos congelados, como os camarões, mas são embaladas uma a uma numa pequena manga plástica. Cada saquinho tem, na realidade, as duas pernas de uma rã, unidas pela cintura. Conforme o seu tamanho, que varia bastante de marca para marca, costumo contar com entre 7 e 10 pares por pessoa, ou seja, entre 14 e 20 pernas.
Ponha as pernas de rã a descongelar em água fria, dentro dos seus invólucros.
Quando estiverem descongeladas, corte com uma faca afiada ou tesoura um pedaço de coluna vertebral que vem, por norma agarrado às pernas e também qualquer pedaço do pé. A parte de uma "perna" que se come é, por comparação, a que corresponde à porção da cintura ao tornozelo.
Disponha num prato e tempere com os temperos indicados. Regue com abundante sumo de limão e deixe a marinar entre 20 a 30 minutos, não mais para não cozer quimicamente a carne.
Escorra, passe cada par por farinha, ovo batido e pão ralado e frite em óleo quente.
Assim que saírem da fritura, regue com sumo de limão fresco e sirva logo, acompanhadas por um risotto branco, feito com manteiga de vaca e salada a gosto.

Nota:

São também excelentes frias, no dia seguinte, o que as torna indicadas para saídas, praia, etc.

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quinta-feira, 8 de maio de 2008

Caldeirada

A minha bisavó materna, de seu nome Felicidade e que eu nunca conheci, trabalhou toda a vida como funcionária da Praça da Ribeira, em Lisboa, nos tempos em ali se vendia , pela mão de varinas e dos próprios pescadores, todo o peixe que a capital comia.
Não é assim de estranhar que o peixe fosse rei na alimentação familiar e que essa tradição tivesse passado as gerações até hoje, em que continua preferido apesar de ter deixado de ser alimento de todas as bolsas e, muitas vezes, ser difícil "lá chegar".
Mas vale o sacrifício económico e, se não puder deixar de ser, congelado também é peixe, diferente é certo, mas peixe.
Nunca me consegui converter foi a lombinhos, medalhões, espetadinhas feitas, douradinhos e quejandos, hoje até se fazem umas mistelas de peixe (?) moído, ditos nugets! Mas isso não entra mesmo na minha cozinha; antes a fome!
A Caldeirada é o mais português dos pratos de peixe. E único! Basta passar o Rio Minho e acabou-se, na Galiza piscatória não há uma sopa de pescado sequer, digna desse nome. Pela Europa fora aparecem vários guisados e sopas de pescado que são isso mesmo e apenas, guisados. A Caldeirada é mesmo e só, uma relíquia preciosa da nossa identidade gastronómica.
Mas Caldeirada não é peixe guisado? Não!
Caldeirada é o resultado de um ritual complexo e delicado, cuja quebra inadvertida é de imediato punida pela transformação em "peixe guisado com batatas e tomate". Sem retorno.
Quem puder, aprenda, quem souber, não esqueça. Este é um pitéu dos deuses e um legado que temos obrigação de fazer, a preceito.

Ingredientes:

Safio (Congro), postas da barriga.
Raia
"Caldeirada" ( Ruivo, Rascasso, Tamboril, Peixe Galo, Moreia, Cação, Patarroxa, etc.)
Camarão (versão de Cascais e Setúbal)
Amêijoa ou Berbigão miúdos (versão do Algarve)
1 ou 2 Sardinhas (versão à "fragateiro" de Lisboa e da Nazaré)
Cebolas
Tomate muito maduro (no Verão)
Polpa de Tomate
Pimento Verde
Malagueta (facultativo)
Sal e Pimenta moída
Vinho Branco
Alhos
Louro
Ramo de Salsa
Azeite

Preparação:

O Safio e a Raia são obrigatórios. Dos outros escolha mais três ou quatro, não compre as "caldeiradas" já feitas porque são sempre logro. o peixe deve ser partido em pedaços de tamanho coerente entre si e deve permitir que todos os comensais tenham possibilidade de provar todas as variedades.
Escolha um tacho ou panela largos, de modo a evitar muitas repetições nas camadas. A caldeirada é feita de modo estratificado rigoroso; a primeira camada, no fundo, é muito variável: por norma forro o fundo com rodelas de cebola, grossas, de resto esta é a única camada de cebola que uma caldeirada leva. Nas versões que usam camarão ou bivalves, são estes a camada do fundo (para não "pegar") e a cebola entra em segundo lugar. Ponha então uma camada de rodelas de batata e depois uma camada de peixe variado (não o safio nem a raia). Chegou a altura de temperar: directamente sobre o peixe ponha o sal e a pimenta, a malagueta se quiser, os alhos, 1 ou 2 folhas de louro.
Sobre o peixe temperado ponha então o pimento verde cortado em tiras. Não esqueça que o pimento funciona aqui como tempero e que a moderação é essencial; aqui o sabor - rei é a peixe e a mar, não a horta! Sobre as tiras de pimento vem então o tomate. Se for no Verão e tiver tomate amadurecido naturalmente e muito maduro utilize-o com abundãncia, metade em pedaços grosseiros, metade passado pela varinha. Se não for Verão, use tomate pelado de lata, meio desfeito à mão e polpa de tomate. Neste caso acrescente um cálice de vinagre de vinho ou sumo de limão, para compensar a falta em ácido dos tomates de conserva.
A partir daqui repete rigorosamente a ordem a partir da batata: Batata, peixe (agora a Raia e o Safio), tempero, Pimento, Tomate.
A caldeirada perfeita tem só duas camadas de peixe. Claro que, se não coube nas anteriores e ainda tem peixe para pôr, poderá ter de fazer uma terceira camada, mas atenção, sempre respeitando os estratos, nada de peixe sobre peixe ou batata sobre batata.
A última camada de cima deve ser tomate. Se está a fazer a versão que leva a sardinha, esta é, na Caldeirada, apenas um tempero que se retira e rejeita no fim. Ponha então um ramo de Salsa e, eventualmente, a Sardinha a fechar.
Regue generosamente com Azeite Virgem e adicione 1 ou 2 copos de Vinho Branco. Depende bastante da arrumação que conseguiu dar ao tacho e da quantidade de tomate usada. De qualquer modo, o nível de líquido deve ficar uns dois dedos abaixo do nível do tomate superior.

Dê uma agitadela sóbria ao tacho, para soltar do fundo a primeira camada, se esta for de cebola. Se não for não faça nada.

Tape e ponha ao lume. Após ferver conte 25 a 35 minutos com lume baixo. A batata desfaz um pouco o que só melhora o molho. Apague o lume e espere uns minutos antes de servir.

Sirva com cuidado, nada de conchas ou despachar "à cantina". A caldeirada é desconstruída e servida rigorosamente na ordem inversa em que foi feita.

Há quem aprecie o sabor avinagrado de uma salada de alface com a caldeirada; nesse caso sirva a salada num prato à parte para evitar escorrências.

Notas:

A Caldeirada "pede" um tinto com algum corpo e adstringência, que deixe o palato lavado entre cada espécie degustada.
Use sal marinho não refinado (compra-se na secção de produtos naturais) ou Flor de Sal integral.
Por mais vermelho que se apresente, o tomate fresco fora de época não serve para este prato.
As postas fechadas do Safio são incomestíveis. No entanto o preço do peixe inteiro justifica por vezes a sua compra assim. Para aproveitar as postas fechadas, que são mais de meio peixe, congele-as ligeiramente, de modo a ficarem duras mas cortáveis, corte-as em fatias de meio centímetro, salgue muito ao de leve e frite sem qualquer revestimento, demoradamente em lume médio, para ficarem crocantes. São um petisco delicioso.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Iscas com Elas

As iscas, como as favas, não são de meios termos: amam-se ou odeiam-se!
Eu sou dos que amam e recordo com nostalgia um pouco envergonhada os tempos em que fruía o prazer de frigideiras que, ano após ano, cozinhavam toneladas de fígado sem nunca verem barrela, apurando um molho eterno que escorria do pão a cada dentada.
Quantas vezes cheguei ao Porto de comboio, saía em Campanhã e antes de qualquer outra coisa, subia Pinto Bessa, atravessava o Bonfim e ia direitinho a uma tasca ali para Barros de Lima onde me esperava uma deliciosa isca no pão, comida numa estranha posição, não fosse algum pingo cair na gravata, que nessa altura trabalhava-se de gravata e tudo o mais.
Hoje as iscas sofreram rudes e irreparáveis golpes e não falo da questão das frigideiras, mas da disposição legal que impede a venda do baço a pretexto de uma qualquer profilaxia da Doença das Vacas Loucas, metendo as vísceras todas no mesmo saco, como se houvesse alguma doença dos Porcos Loucos!
Claro que alguns de nós temos a sorte de viver no campo ou conhecer quem mate porco, mas para a esmagadora maioria o molho de iscas nunca mais foi o que era.
Para todos esses, vou hoje divulgar em primeira mão um truque precioso para refazer o velho molho em todo o seu antigo esplendor; e sem baço!


Ingredientes:

Fígado de porco cortado muito fino
Baço de porco (se possível)
Alhos
Louro
Sal e Pimenta
Vinagre de vinho
Vinho Branco
Banha
Farinha
Batatas

Preparação:

Ponha as iscas numa tigela, tempere com os alhos esmagados, sal, pimenta, louro e cubra com vinho branco.
Se arranjou baço, abra-o com uma faca afiada, longitudinalmente, coloque-o com o lado cortado para cima, sobre uma tábua ou pedra e raspe-o com a parte romba da faca, espremendo e fazendo sair à frente da lâmina um líquido grosso, vermelho escuro, que deve ir recolhendo e dissolvendo num pouco de vinagre de vinho que junta depois à marinada.
Se não arranjou baço, reserve uma isca das “interiores”, isto é das que têm ambos os lados cortados, parta-a em pedacinhos, coloque-os num copo misturador com duas colheres de sopa de vinagre e outras duas de vinho branco e triture tudo com a varinha até estar com uma textura lisa. Misture então à marinada.

Deve deixar as iscas a marinar várias horas, de preferência de um dia para o outro, dentro do frigorífico e fechadas para não transmitir cheiros e sabor a outros alimentos, o que sucede facilmente.

Derreta banha de porco numa frigideira e frite as iscas dos dois lados antes de juntar a marinada. Mexa sempre para não fazer grumos e deixe apurar, virando as iscas e mudando-as de posição na frigideira, agora com o lume baixo, fervinhando.

Quando achar que estão prontas, junte um copo de água em que dissolveu um pouco de farinha, para homogeneizar o molho e aveludá-lo ligeiramente, mexendo sempre.

Comem-se com batatas cozidas com casca, que cada um descasca no prato. Se forem batatas novas, nem isso é preciso. De qualquer modo é essencial que sejam bem molhadas com o molho das iscas.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Torricado

O Toneca, além de funcionário da Câmara Municipal da Azambuja era também o mestre incontestado do Torricado e oficiava em tudo o que era acontecimento autárquico, executando essa singela delícia ribatejana da beira-rio para tudo o que era visitante e dignitário que comiam e, claro,choravam por mais...

Acompanhar uma boa posta de bacalhau assado na brasa, esbugalhado com azeite e alho, com um fervente torricado feito pelo Toneca, no meio de um pomar de diospiros, sobre o Tejo e as suas valas, foi uma experiência inesquecível que tento repetir, imitando com rigor cada gesto aprendido com o Toneca, sempre que faço mais uma vez, um Torricado!


Ingredientes:

Merendeiras (de ontem)
Alhos
Azeite Virgem
Sal grosso

Preparação:

Escolha merendeiras que não tenham muita "alma", quer dizer que sejam relativamente homogéneas por dentro, sem grandes bolhas e buracos.
Abra as merendeiras ao meio, como se fosse para fazer uma sanduíche e, com a ponta de uma faca bem afiada, retalhe o miolo profundamente mas sem atingir a côdea, em quadrados de cerca de 2,5cm de lado (a grossura de um dedo).
Ponha as metades a grelhar sobre o carvão (ou num grelhador eléctrico) primeiro o lado da côdea, que deve ficar estaladiço mas não tostado, depois o lado do miolo que deve ficar louro como uma torrada.
Esfregue então um dente de alho por toda a superfície tostada, do lado do miolo. Cada metade de merendeira consome assim meio dente de alho grande.
Salpique então a merendeira com sal grosso e sacuda o excesso. O que interessa é que algum fique retido nas fendas do quadriculado que entretanto abriu um pouco com a tostagem. Regue com um fio de azeite virgem, mais ou menos abundante conforme o gosto, por toda a superfície e volte a pôr a grelhar só do lado do miolo. Está pronto quando se ouvir um ruído parecido com o som de fritar (o cantar do torricado).
Serve como acompanhamento de bacalhau assado ou sardinhas, também assadas.

Notas:

Ou pode comê-lo só, com um vinho Ribatejano, que é de deixar qualquer Pão de Alho italiano a morrer de inveja!

Regressado a estas andanças após a Caminhada por terras célticas, poderá ver a partir de hoje, outras aventuras gastronómicas, mais livres, em Outras Comidas.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Scones

Acabados de sair do forno, abertos e recheados de manteiga que teimava em sair e escorrer, acompanhados por um chá também fervente, os Scones são a imagem gravada dos lanches de Inverno, já com a luz a desaparecer e o corpo a pedir calor.
Neste momento em que estou a escrever, nesta Sexta-Feira medonha, está por aqui a cair uma tremenda saraivada de granizo, a idéia de sair à rua arrepia o mais audaz e a evocação dos reconfortantes Scones, tão simples, tão rápidos, tão distintos, tinha mesmo de surgir. Ah! Scones!


Ingredientes:

500g de farinha de trigo com fermento
125ml de leite (azedado com 1 colher de sobremesa de sumo de limão)
2 colheres de sopa de Açúcar
1 Ovo
2 colheres de sopa de Manteiga
1 colher de chá de Bicarbonato
1 colher de sobremesa de sumo de limão (facultativo)
1 pitada de Sal

Preparação:

Talhe (azede) o leite misturando-o com o sumo de limão. Pode também usar, em vez do leite azedo, um iogurte natural.
Ponha todos os ingredientes numa tijela (a manteiga deve estar fundida), misture rapidamente e sem cuidado, vaze para a pedra e amasse sem trabalhar a massa, apenas o suficiente para ligar e fazer uma bola. Forme pequenas bolas desta massa e disponha-as num tabuleiro de forno sapicado de farinha. Faça-lhes dois sulcos em cruz com uma faca afiada e deixe repousar meia hora.
Coza em forno quente durante cerca de 12-15 minutos, até alourarem.
Sirva quentes, com chá preto.
Cada um abre os seus scones e põe-lhes a manteiga no momento de comer.

Notas:

Pode guardar os Scones sobrantes numa caixa e aquecê-los por breves segundos no micro-ondas.

Este blog vai estar inactivo nos próximos 15 dias, durante os quais, na companhia galega de "meigas", duendes, vagalumes e apóstolos, calcorrearei de novo os Caminhos de Santiago, não esquecendo, é claro, a gastronomia inspiradora desse incrível e sedutor canto do mundo.


Doce de Abóbora (para comer com requeijão)

Na Serra da Estrêla, além do emblemático queijo, produz-se uma das maravilhas lácteas mais inimitável, o Requeijão de Ovelha, feito no seu máximo expoente na zona de Seia e S.Romão. E porque é verdadeiramente impossível de imitar será o ingrediente que terá de adquirir para experimentar esta delícia serrana que é a sua combinação com o Doce de Abóbora.

Ingredientes:

Abóbora com polpa cor de laranja
Sal
Açúcar

Preparação:

Coza a abóbora em cubos em água temperada com sal. Quando estiver bem cozida, vaze para um escorredor, dê-lhe muitos golpes com uma faca afiada, em todos os sentidos, mas sem esmagar e deixe a escorrer por 24 horas. Este escorrimento fará reduzir muito o volume do fruto e, ao mesmo tempo, poupar-lhe-á muita energia, tempo e risco de queimar o doce.
Pese a abóbora escorrida, junte igual peso de ãçúcar e leve ao lume, durante 15-20 minutos, mexendo amiúde, após o que a abóbora passou de laranja opaco a laranja translúcido e fica uma estrada ao passar a colher pelo fundo. Enfrasque muito quente, deixando um dedo de espaço entre o doce e a tampa e deite 3-4 gotas de vodka na superfície do doce antes de fechar, para prevenir bolores na conservação a longo prazo.
Ponha uma fatia de Requeijão de Seia ou de S.Romão sobre um pedaço de pão acabado de fazer e, por cima, uma colherinha deste doce e ... suba ao céu!

Notas:

O Doce de Abóbora fica com um sabor marcado a este fruto e, para comer com requeijão é assim que a combinação fica perfeita.
Para outros fins pode, no entanto, ser aromatizado com raspa de limão ou de laranja ou com pau de canela. Estes tempêros são adicionados quando introduz o açúcar.
Depois de feito, ao retirar do lume, pode ainda adicionar, e fica muito bem, nozes partidas, amêndoa cortada grosso, passas ou sultanas, etc.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Doce de Laranja Amarga (marmelade)

Os Ingleses chamam-lhe "marmelade", é um doce realmente amargo e de que é preciso aprender a gostar, como a Tónica! "Primeiro estranha-se, depois entranha-se!" disse Pessoa da Coca-Cola e poderia tê-lo dito deste doce de Laranja Amarga que ele bem conhecia dos anos de Inglaterra.
Espalhado sobre uma torrada previamente amanteigada e acompanhada por um clássico preto como o English Breakfast, o Doce de Laranja Amarga pode ajudar decisivamente a construir momentos de perfeita e intensa felicidade gustativa.


Ingredientes:

5 Laranjas Amargas
1 limão
1 litro de água
1 kg de Açúcar

Preparação:

Lave os frutos e lamine-os para um alguidar com o auxílio de um dispositivo para cortar batatas em rodelas finas. Quando chegar às sementes, retire-as com a ponta de uma faca e reserve. Ponha as laranjas e limão laminados de molho na água por 24 horas. Ponha as sementes num copo meio de água por igual período.
Escorra as sementes aproveitando a água em que estiveram, que fica viscosa, junte esta água à outra onde estiveram os frutos e ponha tudo ao lume, deixando ferver por 30 minutos. Junte o açúcar, deixe ferver mais 10 minutos e enfrasque imediatamente.

Notas:

A única dificuldade nesta "marmelade" é a obtenção das verdadeiras laranjas amargas. É que não se trata de laranjas azedas ou ácidas demais. A laranja Amarga é a laranja brava, não enxertada e virtualmente impossível de comer. Pode obtê-la nos viveiristas de árvores, que utilizam a laranjeira brava como suporte para enxertar espécies comestíveis, ou ainda em campos de larangeiras ou limoeiros abandonados ou mal cuidados em que a parte comestível da árvore acaba por morrer e o que sobrevive é a parte selvagem abaixo do enxerto (rebentões).

Aletria Doce

Sempre adorei a Aletria Doce, sobremesa popular nortenha quase desconhecida no Sul, onde o Arroz Doce é rei.
Não sou do Norte nem tenho raízes nortenhas mas gozava na antecipação desta sobremesa que apreciava ainda mais dois ou três dias depois, já transformada numa espécie de pudim com uma carapaça meio seca pela canela e o passar do tempo.
Depois de adulto, em cada visita ao Porto, nunca deixava de aproveitar esta delícia que era ainda muito comum nas cantinas da zona do Bolhão, nos restaurantes dos Congregados e nas tascas da Campanhã.
Hoje vai rareando, ainda se pode encontrar na zona da Ribeira mas o espírito já é outro, tornou-se num doce com carga cultural e etnográfica, uma curiosidade bem paga e, claro, já bem pouco popular.
Mas podemos sempre fazer este doce em nossa casa, para mais é simples e rápido e, vá lá, este não tem nenhuma complicação escondida e sai sempre bem!


Ingredientes:

250g de Aletria fina
250g de Açúcar
1 litro de Leite
6 gemas de Ovo
1 pitada de Sal
Canela em pó

Preparação:

Ponha o leite ao lume e, quando ferver, parta as meadas de Aletria para dentro, mexendo para que os fios se não peguem. Adicione a casca de um limão, a pitada de Sal e deixe cozer a massa 6 -8 minutos.
Adicione o açúcar, mexa, deixe ferver em lume brando mais uns poucos minutos (depois do açúcar a massa já não coze mais), retire do lume e adicione as gemas, já desfeitas e misturadas à parte com um pouco da massa, para não fazer fiapos cozidos.
Se achar que está muito líquido, pode levar de novo ao lume, mexendo sempre, para engrossar as gemas. Deve ter em conta, no entanto, que a Aletria Doce engrossa muito ao esfriar.
Retire a casca de limão, vaze numa travessa baixa ou em taças ou pires, deixe amornar e polvilhe com Canela em pó.

Notas:

Esta é a versão "rica". A versão "pobre", que é a que prefiro, faz-se com 350g de Aletria e apenas com 2 gemas. Fica mais dura, menos cremosa.
Em qualquer delas, o preceito manda escaldar a massa em água a ferver em cachão, escorrer e passá-la então para o leite, aparentemente para evitar que se pegue. Pessoalmente, partindo as meadas na mão ao introduzir, nunca tive esse contratempo, pelo que não sigo o preceito e dá excelente resultado e menos trabalho.
Use a Aletria mais fina, em meadas. Existe agora uma versão que, depois de cozida fica quase como esparguete e que é uma lástima para isto.