terça-feira, 11 de novembro de 2008

Os Frangos do Senhor Sabino

Ir comer frango de churrasco ao Sr. Sabino era um saber iniciático que chegou lá a casa, nunca cheguei a apurar como.
Penso que teria sido segredado ao meu pai em conversa de pescarias, suspeito por quem, mas a verdade verdade, é que nunca tive a certeza.
É que o "Sabino" era um local improvável e totalmente fora-da-lei e o próprio, pasme-se, suplicava aos clientes que nunca divulgassem a sua existência, o que ia conseguindo de forma medíocre, pois era difícil arranjar vez para um almoço ou jantar, este à luz de um velho e ruidoso "Petromax", pendurado sobre a mesa de madeira enodoada, dizia-se que era o sítio onde matava o porco...
Era essa mesa de matança e os dois bancos corridos que a serviam, que determinava a lotação máxima de cada refeição: Oito pessoas, quatro de cada lado - quanto muito podia-se ir buscar uns mochos de fórmica vermelha para as cabeceiras e lá se sentavam mais dois.
Durante o Verão, apesar do "segredo", era difícil arranjar um dia para se ir ao Sabino. Depois, com os banhistas de ocasião afastados pelo Outono e pelo fim impiedoso das férias, podíamos então desfrutar dessa experiência única que era a degustação de um frango espantoso, paradigma da simplicidade e da paciência infinita com que eram assados pelo Sr. Sabino.
Este Sr. Sabino era, ele próprio, uma personagem dificilmente descritível: pequeno de estatura e irrequieto, ele era, simultaneamente, agricultor, viticultor, comerciante, criador de gado, construtor civil, destilador ilegal da melhor "gimbrinha" da região e, last but not least, o incontestado "rei" dos frangos assados no carvão.
Isto do "rei", digo eu agora, que "reis" de uma coisa qualquer, são normalmente aqueles que, por fazerem o seu mister ou venderem o seu artigo aos milhares ou às carradas, reclamam para si próprios o nobiliárquico título, assim como se fosse um atestado de Guinness, livrinho cretino que, também ele, regista feitos, quantidades e tamanhos e, curiosamente, entre tantos milhares de "recordes", não tem um único que distinga a qualidade!
Como não podia deixar de ser, o "restaurante" Sabino, além da inexistência legal, também não se via a olho nu. Situado por baixo da casa do próprio, já não consigo precisar se em Odrinhas, se na vizinha Santa Susana, aproveitava o declive natural do terreno e abria-se por trás, a toda a largura da casa, como uma garagem, para o imenso vale que se estende até à Assafora e à Praia da Samarra, uns quilómetros mais adiante.
À porta, entre arrumos agrícolas, fardos de palha e uma fascinante montanha fumegante de bagaço a fermentar, depois de ter deixado para trás as uvas, o vinho, e a bagaceira ilegal, estava o meio-bidão ferrugento onde umas poucas brasas quase apagadas realizavam o milagre da transmutação de simples frangos, nem sei se "do campo", em peças gastronómicas únicas, ao fim de uma laboriosa assadura que durava nunca menos de quatro horas.
Quando se dá a um frango um tal "tempero", tudo o mais soa a excessivo e desnecessário. Umas pedritas de sal grosso e o tal calor doseado com usura era tudo o que o Sabino utilizava para apresentar o divino frango, sem uma única asinha mais escura, pele estaladiça, acompanhado por umas saladas de tomate ali apanhado e batatas fritas que a mulher ia fritando na cozinha, por cima, e trazendo sempre a ferver.
O vinho, só para os adultos, claro, saía directamente das grandes cubas em cimento onde tinha nascido ou já dos tonéis, ali mesmo, ao lado do secreto alambique de cobre disfarçado com sacas de cimento velhas, que a garagem-restaurante também era a adega e destilaria, pois claro!
Não faço ideia se teve continuação este "segredo" do frango do Sabino. Nem sei se descobriria de novo o local, agora enxameado de construções por todo o lado que dantes era campo.
Do frango do Sabino da minha infância e adolescência, retive a lição mais preciosa: hoje, no meu "barbecue" alentejano, construído a partir das medidas do bidão enferrujado do Sabino, faço também essa delícia a fogo mínimo e paciência máxima, uma manhã inteira a assar o almoço lá para as duas da tarde e ter como prémio o silêncio de algum conviva, daqueles que sabem um molho secreto para pincelar frangos de comida-a-peso e que, ao provarem o meu frango do Sabino ficam muito caladinhos, arregalam o olho e vão comendo... comendo...

Ingredientes:

Frango aberto, cortado em metades.
Carvão de azinho
Um pouco de sal grosso
Assador em que o fogo fique, a 40cm da grelha
Paciência

Nota:

Acenda o carvão uma hora antes de por a carne ao lume.

2 comentários:

anna disse...

Gosto mesmo da maneira como escreves...
O meu frango preferido é o da Valenciana, em Campolide. O meu irmão e eu, desde miúdos, não conseguimos achar outro que o superasse... coisas dos sentidos que nos fica gravadas naa memória!
Beijo.

edinha disse...

O franguinho feito assim com todo esse tempo só podia ficar inesquecível :)
Beijinho