domingo, 7 de setembro de 2008

A Chanfana do Manuel Júlio

Há muitos anos, eu pertenci, por direito profissional, ao grupo heterogéneo dos “viajantes” - vendedores, comissionistas, delegados de propaganda médica, camionistas - na verdade variedades mais ou menos engravatadas de vagabundos da estrada que se encontravam, à hora de almoço, em locais de celebração bem determinados e fortemente ritualizados, os restaurantes de beira de estrada, cuja liturgia era de algum modo impermeável a quem não pertencia àquele clã.
Era vulgar que a certo dia da semana, determinado restaurante fosse literalmente assaltado por hordas famintas que, informadas por um curioso correio de passa-palavra, iam ao Cozido, à Feijoada ou ao Cabrito!
Poucos quilómetros acima de Coimbra e a faltar ainda outros tantos para a Mealhada, fica um lugarejo que em nada se distinguia de tantos outros, Santa Luzia. Ali, no meio de incaracterísticas unidades industriais, uma bomba de gasolina, algumas casas e mais um rodízio brasileiro franchising, tudo a nascer ao comprido, lado a lado com a E.N.1, ficava o Restaurante Manuel Júlio, lugar mítico onde, a certo dia da semana que já não recordo, se podia comer esse prato emblemático da cozinha da Beira Litoral, que localmente era chamada Lampantana de Cabra e que é normalmente conhecido por Chanfana.,
Ao contrário da chanfana da vizinha Coimbra, feita com borrego, esta era feita ao modo beirão, com cabra adulta e rija, a precisar uma noite inteira de forno, a fervinhar tapada na caçoila de barro preto de Molelos, coberta pelo bom vinho tinto da Bairrada.
Era o próprio Manuel Júlio que preparava o grande forno de pão onde depois metia com uma pá, um a um, as dezenas de tachos preparados por sua mulher e que fariam a delícia de quem os almoçasse no dia seguinte. É dele, há muito falecido, a receita que aqui fica, agora que o velho Restaurante Manuel Júlio, doente de tanta fama, percorreu a via-sacra do crescimento, da industrialização, da modernidade e da normalização. Tornou-se por certo um bom negócio, mas, infelizmente, perdeu a chama do fogo a lenha e que tornava inesquecível a chanfana do Manuel Júlio.
A maneira de prová-la hoje é fazê-la. Assim:

Ingredientes:

1 Kg de carne da perna de cabra adulta
1 Kg de costela de cabra adulta
100g de toucinho em tiras finas
1 Colher de sopa de banha
1 litro de vinho tinto da Bairrada (+ ou -)
1 Colher de chá de colorau
1 copo de azeite ( 125 ml)
2 cebolas médias
5 dentes de alho
5 cravinhos
1 ramo de salsa
1 folha de louro
Sal e pimenta

Preparação:

Desosse a carne da perna e corte em pedaços grandes. Deixe os ossos das costelas.
Esmague os alhos grosseiramente, corte as cebolas em rodelas, misture todos os ingredientes indicados excepto o vinho e ponha num tacho de barro. Deixe por uma hora. Entretanto, aqueça o forno ao máximo.
Cubra a carne com o vinho, tape e ponha no forno muito quente durante uma hora. Reduza então o calor para brando/médio (160ºC) e deixe mais 3-4 horas, juntando mais vinho, aos poucos, conforme vai precisando.
Sirva com batatas cozidas, temperadas no prato com o molho da chanfana, e alguma verdura cozida, a gosto (os grelos de nabo ficam muito bem).

4 comentários:

cupido disse...

Pois, a bela da chanfana...
O meu pai ainda a faz no forno de lenha e é uma maravilha; já eu, tenho que a fazer no forno electrico (ainda assim, bem boa).
A "receita" que uso é basicamente essa.

anna disse...

Adoro chanfana...
Estas férias comi uma, inesquecível, no Sabugueiro.
Beijo.

Moira - Tertúlia de Sabores disse...

Que saudades que me trouxe este post, o meu falecido tio preparava várias caçoilas de chanfana no forno de cozer a broa, era sempre um almoço que reunia a família residente e a não residente. Almoços que se prolongavam pelas tardes em alegre cavaqueira. Já tentei fazer em casa mas nem a caçoila de barro preto ajudou, não há como um forno de lenha.

jorge pandeirada disse...

Os seus post são verdadeiras viagens pela nossa terra. De todas as que já li, a do frango de churrasco do ti manel foi uma verdadeira lição de vida, como de resto o é esta. Parabéns por estes tesouros que nos oferece que, na minha opinião deveriam conhecer o prelo.