"Lé" era a alcunha de um homem notável e bom, Amado Maceira Clemente, que durante muitos anos foi responsável pelo café/ restaurante/ mercearia/ etc. de Magoito.
Na cozinha do restaurante, pontificava a sua mulher, D. Gracinda, uma cozinheira ímpar que dava a tudo o que fazia um toque mágico e um sabor que se recorda com saudade, 40 anos depois.
Sem segredos escondidos, tudo ali à vista de quem quisesse passar pela cozinha e dar dois dedos de conversa, que nesse tempo não havia ASAE, era ali em cima que nasciam os mais espantosos filetes de pescada que alguma vez provei, cortados de grandes pescadas "do alto", frescas e prateadas.
Por vezes penso que quem não teve a sorte de comer filetes do Lé, nunca poderá perceber bem palavras como "suculência" ou "leveza", aplicadas a um peixe. A experiência gustativa raiava então um êxtase quase místico.
Esta receita que aqui deixo não é mais possível executar hoje em dia, porque já não existem pescadas "do alto" daquele calibre. A aproximação possível é a obtida com pescada congelada nº5, do Chile.
Ingredientes:
1 Pescada congelada nº5, do Chile
Farinha
Ovo
Sal fino
Limão
Óleo para fritar
Preparação:
Descongele a pescada em água fria. Retire-lhe a pele, insira uma faca fina e muito afiada ao longo da barbatana dorsal até tocar a espinha central e acompanhando a referida barbatana, corte até cerca de 15-20cm da cauda (imagine o peixe sem cabeça dividido em 3 segmentos, corte os lombos dos 2 primeiros a contar do lado dacabeça). Faça o mesmo, agora pelo outro lado da barbatana, também com a faca encostada a ela. Acompanhando a curva (estrela) da espinha central com a faca, separe e retire cada um dos lombos até ao ponto em que cortou. Depois retire os dois lados do rabo da pescada (o segmento 3).
Corte em filetes de um dedo de espessura estes quatro pedaços de pescada e disponha-os num prato. Tempere com um pozinho muito ligeiro de pimenta e algumas gotas de limão, poucas para não cozer o peixe. Não ponha sal!
Bata 2 ovos num prato, passe cada filete por farinha de ambos os lados, sacuda o excesso, passe rapidamente por ovo e ponha a fritar numa frigideira em que o oleo deve atingir a altura de meio filete. O lume deve ser forte de modo a alourar o filete em apenas alguns segundos. Vire, deixe alourar o outro lado e retire logo para papel absorvente. Regue logo com abundante sumo de limão e salpique com sal moído fino, dum lado. Sirva muito quente. Acompanhe com o que tiver de ser; nenhum acompanhamento merece realmente esta delícia.
Notas:
Esta receita é essencialmente uma homenagem: a um prato, uma pessoa, um tempo.
As "pescadas do alto" eram pescadas frescas com cerca de 3 - 4kg e vinham em gelo da lota de Vigo. Ainda se encontram, por vezes, nos mercados da Galiza, mas há muitos anos que deixei de vê-las em Portugal, onde os exemplares raramente ultrapassam 1,5Kg e deixam muito a desejar em termos de brancura e de lascas firmes.
A versão chilena congelada é bastante satisfatória e, dentro da contingência de ser congelado, dá excelentes resultados. Só fica a faltar "mar".
Filetes já cortados e congelados, bem como os muito publicitados "medalhões" ou "lombinhos" de um Capitão Qualquer da comida de plástico, nem merecem menção.
quinta-feira, 27 de março de 2008
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3 comentários:
Agora fiquei aqui a imaginar como seriam essas pescadas do alto.
Fiquei a salivar, pois sou louca por filetes.
Bjs
Olá Luís.
Sou a Paula, uma das netas do Sr. Lé e da D. Gracinda, que você refere neste artigo!!!
Estou aqui com eles e com o resto da família e ficámos todos muito surpreendidos por encontrar este artigo.
Eles ficaram super orgulhosos e "babádos" com o que escreveu, como deve imaginar :)
A minha avó diz que se tivesse a mesma força e saúde que tinha à uns anos atrás, que lhe faria mais uma refeição desses maravilhosos filetes!
O nosso muito obrigado por esta homenagem.
Continuação de boas experiências culinárias.
Cumprimentos,
Sr. Lé, D. Gracinda e restante família
Experimentei hoje esta receita de filetes...ficaram óptimos.
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