Como em tantas ruas de Lisboa, também na minha rua existia um talho, que deveria ter nome de talho mas que era conhecido por "Sr. Saturnino", sítio sangrento onde reinava o próprio Saturnino Belo Projecto.
Nas traseiras iam-se acumulando ossos, gorduras, peles que eram recolhidas de 15 e 15 dias por uma camioneta da FIMA, imunda com a sua carga de ossos e moscas, num cenário de podridão e holocausto. Quando aquilo saía o Sr. Saturnino dizia às freguezas enojadas: - "...e ainda se vai transformar em margarina! e depois em detergente!"
Como era de esperar, margarina era coisa que não passava a porta de minha casa. Ainda bem! Em seu lugar reinava a magnífica Banha de Porco e, melhor ainda, fazia-se a banha lá em casa, o que dava origem a um "pingue" delicioso e aos torresmos soltos, uma das maravilhas que ficaram para sempre impressas nos inesquecíveis sabores da juventude.
Ainda hoje a banha é, depois do azeite, a minha gordura preferida e continuo a fazê-la, numa escala bem mais reduzida, que os anos e os quilos a mais não perdoam.
A única maneira de experimentar este sabor é fazer. Os torresmos soltos que se vendem no comércio não são comparáveis, são gordíssimos, frios, metade feitos a partir de toucinho,ou do pâncreas (rissol), uma decepção.
Ingredientes:
Banha em rama
Alhos
Louro
Sal
Preparação:
Peça no seu talho para lhe arranjarem a banha em rama de 1 ou 2 porcos. Esta é a gordura que forra o abdómen internamente e que serve de suporte e envolvimento dos rins. As outras partes gordas do porco não são banha.
Se o seu objectivo principal forem os torresmos, utilize banha de porco branco pois produz muito mais torresmo. Se, pelo contrário quiser uma banha soberba (mas muito pouco torresmo) use banha em rama de porco preto.
Corte a "manta" de banha em pedaços com as dimensões de um maço de tabaco, mais ou menos.
Coloque estes pedaços numa panela aberta em lume forte e mexa nos primeiros segundos para não pegar, depois não é preciso. Começa logo a produzir-se muita gordura líquida e começa a fritar. Junte um punhado de sal grosso.
Dentro de minutos os pedaços estão já cobertos de líquido fervente e é altura de começar a retirar banha. Esta está pronta quando produz bolhas na colher de pau.
Vá retirando esta gordura para recipientes (não de plástico), deixando sempre alguma na panela para continuar o processo de extracção.
Quando os pedaços começam a alourar, vá expremendo cada pedaço com as costas da colher de pau, para auxiliar a saída da gordura.
Junte agora alguns dentes de alho e folhas de louro. Quando os alhos estiverem louros, mas não queimados, os torresmos já devem estar castanhos e pequenos.
Apague o lume, retire os torresmos com uma escumadeira ou vaze-os para um passador de metal.
O ideal, para que o "atentado" à saúde não seja tão violento, é espremê-los vigorosamente para que saia o resto da gordura.
Eu utilizo aquele utensílio para esmagar batatas para puré: ponho os torresmos no sítio das batatas e espremo para fazer sair a gordura em excesso pelos buracos. Ponha numa tigela, deixe arrefecer um pouco e coma com pão (e café), ainda mornos.
Notas:
O problema é gastar a banha (imensa) que se produz. Sugiro a oferta de tigelas desta banha a familiares e amigos, o que fará chegar mais depressa a altura de fazer torresmos de novo.
Há uma variante muito apreciada no Sul, a Banha de Cor ou Manteiga de Porco, que é feita juntando Pimentão em pó ou em massa na altura de introduzir os alhos. Resultam torresmos inferiores mas uma banha alaranjada para barrar pão ou torradas que é deliciosa e "tão má" na prática, como manteiga.
quinta-feira, 3 de abril de 2008
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6 comentários:
A publicação de hoje levou-me de volta ao monte alenntejano em dia de matança de porco. A minha avó ia colocando os pedaços de toucinho no tacho enorme que estava sobre a trempe no lume do chão. A banha corada era a minha preferida, os torresmos nunca gostei muito, para grande espanto meu a minha filha desde pequenina que se perde a comer torresmos, com a avó e ás minhas escondidas pois eu achava que aquilo não devia ser a melhor "papa" para uma criança.
Bjs
È verdade!
A hisória do talho deixou-me pensativa.
Tenho um tio que trabalhou na Fima muitos anos, vou perguntar-lhe se aquilo era mesmo verdade ser para fazer margarina, ARGH!
ainda há dias me vieram oferecer uma caixinha com banha corada... usei um pouco dela para fazer entrecosto no forno
participei em muitas matanças de porco e adoro torresmos... é daquelas coisas que fazem muito mal mas sabem muito bem
e adoro os bolos feitos com os ditos!
Eu até uso banha nos pratos que pedem mesmo banha (carne alentejana, empadas de Castelo Branco, etc.), mas isso é uma vez de 6 em 6 meses e em quantidades moderadas. De resto, nada como azeite e aquecido a menos de 180ºC. O uso de banha de porco em exagero já matou alguns dos meus familiares e amigos. Não recomendo de maneira alguma.
E pensar que ainda hoje os fiz,exactamente da maneira que aqui nos fala,parabens pelo seu blog,bjs...
Aqui está uma excelente redacção sobre os torresmos, que eu adoro. Na minha casa nunca entrou margarina pela mesma razão, ainda para mais quando a minha mãe passou uns meses a trabalhar na FIMA. Agora quando andam a fazer propaganda à margarina só penso se as coisas mudaram nestes anos todos.
Umas torradas com banha corada é muito bom, naquele pãozinho alentejano, na terra da minha mãe chama-se "banha corada".
Tenho pena que na minha redondeza não tenha acesso à gordura de rama para poder fazer uns torresmos em casa.
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